sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

São Paulo: utopias, distopias e neuroses urbanas.



Nos últimos anos da última ditadura militar brasileira (1964-1985), em plena ressaca econômica após as promessas frustradas dos anos dourados de prosperidade econômica, surgia uma das primeiras distopias brasileiras. O romance Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão (lançado em 1981), desenhava uma estranha e inédita imagem de um país arruinado e caótico, situado em um futuro próximo. A ditadura militar, em seu auto-celebrado Milagre Brasileiro da década de 1970, propunha um futuro glorioso de um Brasil que mostrava sua força sendo tricampeão de futebol (1970), campeão de Fórmula 1 (com Emerson Fittipaldi), detentor de mulheres maravilhosas que conquistavam troféus de miss universo e que se fechava na sua imensidão cabocla e semi-rural, em busca de sonhos satisfatórios e glamours urbanos, especialmente no sul-sudeste maravilha.  


Em meados dessa década de 1970, a primeira grande crise mundial do petróleo acabava com os sonhos nacionalistas e megalomaníacos dos militares brasileiros e dos seus tecnocratas plenos de pretensa sabedoria. O irônico é que a origem daquela crise era o aumento dos preços dos barris de óleo. Atualmente, em 2015, a preocupação dos países em desenvolvimento produtores de óleo é justamente o baixo preço desses mesmos barris, pois diminui a entrada de divisas e causa instabilidades econômicas como na Rússia, Venezuela, Brasil... 

Os anos 1970 em 1980 foram de crises cíclicas, inflação, desemprego e carestia. Nesse contexto Brandão descreve uma realidade brasileira ficcional nos seguintes termos: “Lembra quando líamos os livros (de ficção científica) de Clarke, Asimov, Bradbury, Vogt, Vonnegut, Wul, Miller, Wyndham, Heinlein? Eram supercivilizações, tecnocracia, sistemas computadorizados, relativo – ainda que monótono – bem-estar. E aqui, o que há? Um país subdesenvolvido vivendo em clima de ficção científica. Sempre fomos um país incoerente, paradoxal. Mas não pensei que chegássemos a tanto. O que há em volta de São Paulo? Um amontoado de acampamentos. Favelados, migrantes, gente esfomeada, doentes, molambentos que vão terminar invadindo a cidade. Eles não se aguentam muito além das cercas limites. Não há o que comer!” (pág. 92-93)


A cidade de São Paulo é a estrela decadente do romance. Um ar seco, quente, malsão, paira sobre a imensa mancha urbana onde o verde foi exterminado devido às sistemáticas agressões contra o meio ambiente. O discurso ufanista enaltecia a potência e majestade da locomotiva brasileira, São Paulo arrastando o país, com sua economia e vontade pétrea de vencer. Atrás vinham, a reboque, os vagões da Federação, dos mais nobres aos mais simples e acanhados. O que restou desse delírio são problemas toscos, um caos a mais no cenário nacional, uma cidade tão miserável e violenta como qualquer dos rincões desprezados, distantes apenas no geo-imaginário dos filhos bastardos dos barões quatrocentões.   

São Paulo é um oximoro urbano pós-industrial.

As críticas contra os desvarios da ditadura não eram exclusividade dos escritores, músicos e jornalistas. O humor denunciava e ridicularizava os laços emotivos, piegas e edulcorados de um regime decadente e atavicamente jeca. Em junho de 1969, surgia no Rio de Janeiro O Pasquim, um jornal alternativo que atingiu a tiragem de 20 mil exemplares em todo o Brasil. Tornou-se o principal veículo crítico ao regime militar e marcou uma época crítica da repressão política e da abertura gradativa rumo à nova democracia. 

Em São Paulo, um marco foi o surgimento do Circo Editorial, em 1984, que lançou charges, histórias em quadrinhos e uma estética urbana paulistana saída dos traços de Angeli, Chico Caruso, Glauco, Laerte, Luiz Gê, Paulo Caruso e Alcy. A série em quadrinhos Os piratas do Tietê, destila uma violência absurda e surreal, tendo como eixo cênico principal as águas mortas do rio Tietê. “Cidade multicultural e cosmopolita, principalmente a partir do início do século XX, São Paulo desenvolveu-se com a chegada de imigrantes de várias partes do mundo e migrantes de outras regiões do país. A mistura de raças, crenças e comportamentos gerou um humor distinto, no qual estão presentes o comportamento esquentado dos italianos, a teimosia dos espanhóis, a ironia judaica, a aspereza do concreto e uma mentalidade racional, fria e objetiva de uma urbe voltada para o trabalho. As tribos que cultivam determinados hábitos (roqueiros, hare krishnas, militantes políticos, playboys, etc.) cruzam-se em calçadas, bares e edifícios”. (Humor Paulistano, São Paulo: SESI, 2014, p. 413) 

Piratas do Tietê, criação de Laerte

São Paulo, juntamente com Rio de Janeiro,  é personagem problemática principal dos telejornais, novelas, romances, quadrinhos, filmes e teorias acadêmicas. Congestionamentos, assassinatos, sequestros, enchentes, luxo, cultura, artes e riqueza marcam o imaginário sobre a maior cidade da América do Sul. 

No Rio de Janeiro, as mônadas mutantes da irreverência no humor social, cultural e político, brotaram em1978, nos corredores e bares da Faculdade de Engenharia da UFRJ. Marcelo Madureira, Helio de La Peña, Roberto Adler, Claude Mañel e Bussunda fundam O Planeta Diário; em 1992, surgiu a revista Casseta & Planeta, de circulação nacional, que depois originou o programa de TV na rede Globo, a banda musical homônima e outras aventuras midiáticas como as Organizações Tabajara. A irreverência e as provocações atingiam toda a sociedade. Inexiste o politicamente correto. Os negros ainda são tratados de forma cafajeste pelos sinhozinhos "bacanas" e enturmados com as favelas; as mulheres são instrumentos de prazer e contemplação, escravas dos ditames da beleza oficial preconizada pelas redes de promotores, fotógrafos, criadores de modas e tendências artísticas e culturais. As que não se adequam ao estereótipo, ou não possuem proteção nas altas esferas do show lúdico-político, são simplesmente ignoradas ou servem de "escadas" para piadas machistas, sexistas, preconceituosas e vulgares. Mulheres muito gordas ou magérrimas, novinhas e tolas ou velhas e agressivas, vestidas como mendigas ou embrulhadas como peruas engalonadas, feministas exalando estrógenos ou sóbrias desfilando virilidade e atitude, todas eram um plantel de beleza, humor, crítica e acidez comportamental. Não é inocente a letra de Chico Buarque "Joga bosta na Geni, ela é feita para apanhar, ela é boa de cuspir, ela dá para qualquer um ,maldita Geni." (1978). O humor iconoclasta atinge democraticamente os diversos segmentos sociais.

Enquanto isso, na dura realidade cotidiana parte da população urbana brasileira ainda reproduz as esferas do poder patriarcal, latifundiário, branco, cristão, detentor do poder econômico e político e forte influente do poder policial e militar. Os animais, os seres humanos e a natureza são propriedades dele, com a proteção do Estado e as bençãos de Deus, quase como no tempo de Casa Grande & Senzala, do Gilberto Freyre. Pensam que controlam tudo, então o real se esvai por entre os vãos das ruas, músicas e textos que abalam a ordem tão recente e dubiamente estabelecida.

De repente, entre a Copa do Mundo e as Olimpíadas, - e apesar dos avisos dos especialistas e acadêmicos -, surge crise hídrica para assombrar a orgulhosa urbe que, dias atrás, pensava a seca como praga endêmica do nordeste subdesenvolvido, carma ou castigo dos primos pobres e atrasados, motivos de piadas e olhares superiores, mera multidão ignóbil, ignara e ululante, geralmente petulante.


A seca faz parte de um ciclo meteorológico agravado por problemas ambientais que se acumularam por décadas graças ao descaso, à demagogia e à bonomia de gerações de políticos e eleitores alienados e deslumbrados com sua Nova Iorque semi-tropical. Brandão antecipa, em sua distopia, o descaso e a irresponsabilidade face à catástrofe denunciada: “Esta emergência é esperada há algum tempo. Algum? Eu nem tinha começado neste escritório e já lia sobre os constantes sinais vermelhos que a natureza vem emitindo. É o alerta, declaravam os cientistas. Os poucos cientistas que tinham sobrevivido  e tentavam criar defesas. Cientistas. Categoria mínima, marginalizada. Numa fase quase pré-histórica, o povo era alheio aos seus avisos.” (pág. 27). 

Rua Vergueiro, ao crepúsculo.

Assim como no romance, desde os primeiros anos do século XXI, sucessivos governos, instituições e a mídia, ignoraram ou subestimaram as sombrias previsões de geógrafos, ambientalistas, engenheiros e sociólogos. Esgotos continuaram a poluir os rios, mananciais foram invadidos e destruídos, a mata ciliar dos rios desapareceu, terrenos foram impermeabilizados por construções que violentaram todos os códigos de obras e edificações urbanos, submetidos aos interesses predatórios de empreiteiras, construtoras e à uma visão carente de planejamento urbano e qualidade de vida. O transporte público foi desprezado durante anos em favor da política insana de carros particulares. As ferrovias foram sucateadas e as linhas de metrô lentamente evoluem, em descompasso com outras cidades ao redor do planeta. O egoísmo, a ganância e a indiferença marcam a atitude média urbana  nacional. A falta de uma visão cidadã e de uma ética vivenciada por todos no cotidiano, provoca conflitos em seus condomínios, bairros e ruas. Poucas áreas de lazer são realmente públicas, poucas praças são acessíveis à toda a população e só recentemente os veículos coletivos, os ciclistas e pedestres recebem um pouco mais atenção do poder público. Uma imensa oferta de entretenimento, cultura, gastronomia e vida noturna fabulosa,  convive com os gargalos terríveis de uma infra-estrutura frágil e tímida, perante os desafios agudizados pela omissão ou pelo mal feito. 


 A distopia de Brandão termina de acordo com os mais tenebrosos pesadelos dos paulistanos no início de 2015: “Um ano sem gota de água e as represas de São Paulo esgotaram. Apavorado, o povo fazia promessas, enchia as igrejas. Organizavam procissões, novenas, romarias. Inúteis. Poços artesianos começaram a ser abertos às pressas, às centenas. Por muito tempo, a secretaria de obras trabalhou em poços. Todas as verbas foram desviadas para os programas de água. Cada estado contou consigo, não havia possibilidade de ajudar o outro. O problema era igual para todos, estavam à beira da calamidade. Charlatões, fazedores de chuva, enriqueceram. As chuvas não vieram.”  (pág. 99-100).

Cantareira ressequida...

Provavelmente o final da história não será tão trágico e apocalíptico quanto o imaginado em Não verás país nenhum. Mas as consequências serão graves, os prejuízos imensos  os sofrimentos marcarão essa geração. Os mais ricos sairão nos piores dias do racionamento de água para suas casas secundárias ou fazendas; os mais pobres serão os primeiros naturalmente expulsos pela falta da mais vital substância do universo que é a água, subproduto do ar, da atmosfera que nos protege. Os tempos de energia e água a preços razoáveis acabaram. Por todo o país as tarifas aumentarão com base em argumentos inexoráveis como a “crise hídrica”, a necessidade de mais obras e manutenção, o aumento da população e outras razões que a tecnocracia descobrirá a cada desdobramento da crise. 

Tudo isso nos ensinará algo ou continuaremos a relevar fatos e dados, a postergar decisões impopulares e a exercer a demagogia e os discursos fáceis e agradáveis aos políticos oportunistas? A realidade brutal poderá servir para despertar a consciência individual em prol dos interesses coletivos e de uma ética que seja entendida e exercida de maneira natural por toda a sociedade. 
São Paulo, na terceira década do século XXI, será outra cidade. Espero que melhor e mais solidária, inteligente e articulada.


Textos consultados:

BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Não verás país nenhum. São Paulo: Círculo do Livro, 1982.

DAPIEVE, Arthur (Org.). Antologia Casseta Popular. Rio de Janeiro: Desiderata, 208.


Humor Paulistano - A experiência da Circo Editorial 1984-1995. São Paulo: SESI, 2014.




sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo - Humor vital, humor mortal



 

No dia 7 de janeiro de 2015, houve mais um massacre, mais uma vez anunciado, contra seres humanos desarmados, porém muito perigosos por serem humoristas. Máfias, milícias, polícias, exércitos, guerrilheiros, bandidos, psicopatas, religiosos, profissionais da saúde, políticos e todo tipo de gente promovem matanças, individuais ou em grupo, todos os dias. Muitos holocaustos chegam aos meios de comunicação de massa e nas redes sociais, entram para a história ou são romanceados pela literatura, pelas histórias em quadrinhos ou pelo cinema. Outras chacinas ficam incógnitas, perdidas em recantos geográficos insignificantes ou inacessíveis,  esquecidas nos desvãos das notícias e dos relatos, mas nem por isso os que sofreram a violência sentiram menos a humilhação, as dores e a perda de tudo o que possuíam em suas vidas, inclusive a própria. 

Todas essas perdas são sofríveis. A violência é estúpida, brutal, geralmente irracional, mesmo quando planejada por engenheiros e técnicos em destruição em massa e preconizadas por dirigentes altamente intelectualizados, sejam os políticos, militares, acadêmicos, religiosos ou simplesmente marginais em busca de algo que – imaginam - dará sentido às suas miseráveis existências. Toda violência é também absurda, portanto risível. 

Por isso os seres humanos na redação da Charlie Hebdo, em Paris, no dia 7 de janeiro eram desarmados e perigosos. Usavam o riso, o humor para atacar as bases dos fundamentalismos e certezas que alicerçam os muros da repressão, do poder, ou seja, da violência. Eu posso matar, torturar, condenar, reprimir, mas você não pode rir de mim. Seu riso é uma arma tão ou mais mortal que minha espada, meu fuzil, minha granada, meus instrumentos precisos e engendrados para produzir submissão e dor. Por isso, se você rir ou, pior, provocar o riso, você merece morrer. 



A questão subjacente ao massacre do periódico Charlie é o humor. Os totalitários, os boçais, os fundamentalistas, os que possuem certezas pétreas não riem. Não admitem o riso. Não suportam o sorriso, a ironia, a gargalhada, a derrisão. Por que?

Há uma vasta bibliografia sobre o riso, o humor, o cômico. Usarei principalmente a História do riso e do escárnio, de George Minois (São Paulo: UNESP, 2003) para embasar minhas risíveis ideias sobre a ferocidade humana contra seu próprio senso de humor. 

No ocidente o riso é dionisíaco, vem das sombras dos tempos mitológicos gregos, das festas rurais de dezembro promovidas pelos camponeses da Ática. Eles saiam em procissões cantando refrões obscenos, plenos de zombaria, carregando enormes phallos (pênis) que são os símbolos da fecundidade da Mãe Terra (Gaia ou Gea). A festa terminava com um kômos, uma correria de bandos embriagados que cantam, riem e interpelam as outras pessoas. É dessa komôdia que surge a comédia. O riso, nas brumas do tempo, é associado à agressão verbal, com as forças obscuras da vida, do caos, da subversão. É o carnaval, a ruptura cerimonial e ao mesmo tempo caótica com o tempo comum. Mircea Eliade, Jean-Pierre Vernant, James G. Frazer, Pierre Dumézil e outros estudiosos da mitologia pesquisaram esses tempos primordiais. Aristóteles entendia que a comédia se originou nos cantos fálicos dessas farras campestres dionisíacas. Umberto Eco, em O nome da Rosa, mostra de modo romanceado como teria desaparecido a Comédia de Aristóteles, que seria a segunda parte da Poética, que trata tragédia. A comédia já era ferozmente condenada nos tempos do cristianismo medieval. Porém, o mundo clássico expressa que “o riso, como irrupção de forças vitais irracionais, está no centro da tragédia humana. Essa ideia seduziu a época contemporânea, tão marcada pelo ambíguo.” (Minois, 2003, p. 37). 

Minois divide a sua história do riso em três períodos: 1) o riso divino dos antigos gregos; 2) o riso diabólico, satanizado pelo cristianismo medieval movido pela afirmação dúbia e não fundamentada de que “Cristo nunca riu”. Enquanto o riso grego sacralizava o mundo, o riso diabólico o dessacralizava, sendo portanto condenado pelas igrejas cristãs; e 3) o riso humano, oriundo das crises de consciência da mentalidade europeia, origem do pensamento moderno. 

Na antiguidade (século IV a.C.), é Demócrito quem radicaliza o riso, fazendo dele uma crítica do conhecimento  e a expressão de um ceticismo absoluto. Para ele “a derrisão é a constatação da incapacidade radical do homem de se conhecer e conhecer o mundo. Nada merece ser levado a sério, já que tudo é ilusão, aparência, vaidade – tanto os deuses como os homens.” (Minois, 2003, p. 62). Há ainda o riso da critica social que os cínicos, como Diógenes, expressam para abalar as hipocrisias e certezas de suas sociedades. 



Se quisermos uma definição de humor, a de Pìerre Daninos é eloquente e ampla: “É antes de tudo, na minha opinião, uma disposição de espírito que nos permite rir de tudo sob a máscara do sério. Tratar jocosamente coisas graves e gravemente coisas engraçadas, sem jamais s elevar a sério, sempre foi próprio do humorista. Graças a isso, ele pode, com frequência, dizer tudo, sem parecer tocá-lo.” (Minois, 2003, p. 78, 79).  Para Minois, “o humor surge quando o ser humano se dá conta de que é estranho perante si mesmo. O humor nasceu com o primeiro ser humano, o primeiro animal que se destacou da animalidade, que tomou distância em relação à si próprio e achou quer era derrisório e incompreensível.” E isso é intolerável para os fundamentalismos. 

O cristianismo, no período medieval, era a religião dominante que prevaleceu sobre o judaísmo, apossou-se do pensamento grego e dominou as estruturas administrativas e jurídicas do decadente império Romano. Como religião homogênea de um período marcado pela fragmentação geopolítica e pelos perigos de uma longa decadência imperial, tornou-se apologético, dominador e cioso de seus direitos conquistados. Não admitia gracejos, dúvidas ou liberdades individuais. Um dos mais severos adversários do riso na cristandade nascente foi São João Crisóstomo (334-407). Para ele o riso era satânico, infernal e pecaminoso. Apesar do cômico e do grotesco se mesclarem de maneira paradoxal e complementar no mundo medieval, era forte a tentativa de repressão contra o riso, seja entre os católicos, seja entre as nascentes igrejas protestantes, especialmente João Calvino com suas ideias de predestinação, que dificultavam arroubos humorísticos por parte dos inexoravelmente condenados.  

 O periódico francês ironizava tudo e todos. Essa charge foi quando o Papa Bento XVI renunciou e faz referência aos vários escândalos preconizados pela Guarda Suiça do Vaticano. Os cardeais católicos não mandaram fuzilar os cartunistas.  

Mas o Iluminismo e os avanços sociais, científicos, políticos e culturais abrandaram a antiga religião dominadora, que atingiu o apogeu de seu poderio tirânico na época das Inquisições. Foi preciso um longo caminho até que protestantes, ortodoxos e católicos entendessem que não eram extensão da verdade absoluta e da vontade de punição de seus Deus sobre a Terra. Os fundamentalistas cristãos atuais ainda promovem atos de violência indireta como a demonização da homossexualidade, a exclusão dos que não são “crentes” e a repressão contra religiões consideradas expressão do mal, como o candomblé e isso é condenável. Mas a repressão física e as torturas oficiais foram eliminadas das práticas cristãs, desde o final da Idade Média, ficando restritas a alguns mosteiros e conventos até a época do Concílio Vaticano II (1962-1965), quando a Igreja Católica ficou mais aberta ao mundo e à modernidade. 

Porém o Islamismo não passou por um período de renovação cultural em todos seus segmentos, portanto o fundamentalismo islâmico atual é uma das ameaças à paz mundial, às democracias e às liberdades individuais. Sua intolerância e obscurantismo teológico levam à repressão de seus próprios fiéis que são de outra vertente islâmica, às repressões contra as mulheres  e ao ódio contra as diferenças culturais, especialmente a liberdade e a pluralidade ocidentais. Nessa atmosfera malsã, não há espaço para o humor. 

Os judeus desenvolveram um humor cortante, livre, ácido, inclusive voltado para seus hábitos culturais. Os cristãos aprenderam a alegria de viver, a se expressar nos cantos e danças alegres de missas e cultos, a celebrar a vida em sua plenitude. Os “tempos modernos” fizeram bem para essas duas primeiras religiões monoteístas, mas envenenaram uma pequena parte do islamismo. Essa tragédia é uma perda histórica significativa. Na época medieval, durante o domínio islâmico na Península Ibérica, os califados (governos islâmicos) eram exemplos de tolerância religiosa (judeus, cristãos e muçulmanos viviam juntos), do  desenvolvimento urbanístico, da ascensão das ciências humanas, biológicas e exatas, de formações sociais complexas e sofisticadas. Constantinopla, Damasco, Córdoba, Sevilha, Granada, Alexandria, eram polos civilizatórios reconhecidos e admirados. Por várias razões históricas, uma pequena parcela do islamismo chegou ao século XXI turvado pelos melanomas pseudo-teológicos que moldam um fundamentalismo arcaico, fora dos tempos e dos fluxos civilizatórios contemporâneos. Essas minorias fundamentalistas que se utilizam de atentados terroristas e estados teocráticos repressores para impor seus princípios, comprometem a riqueza vivencial que o islamismo levou para várias culturas e civilizações.  O teólogo Hans Kung faz uma análise erudita e ecumênica sobre as religiões monoteístas em sua trilogia O Judaísmo, O Cristianismo e O Islamismo. Essas três religiões estão mais entrelaçadas histórica, cultural e teologicamente que o senso comum imagina.       
       

Uma questão complexa e oportuna: criticar o islamismo é crime de ódio e criticar o judaísmo e o cristianismo são expressões artísticas?  Quem são os intolerantes nessas histórias?

O problema fulcral dessas minorias islâmicas é a inexistência de auto-crítica, o amálgama entre religião e estado,  negação em se abrir ao mundo e às suas diferenças e riquezas culturais e a incapacidade de rir de si mesmos. 



Jonathan Swift, com sua humor ácido britânico, lembra que os “homens nunca são tão sérios, pensativos e concentrados quanto quando estão sentados no penico.” (Minois, 2003, p. 425).  Essa é a essência escatológica da crítica representada pelos caganers, da Catalunha, onde os grandes líderes políticos, celebridades do esporte e das artes, religiosos e todo tipo de gente são representados por bonequinhos, defecando tranquilamente com uma expressão facial serena e ao mesmo tempo contemplativa. O humor negro é uma declaração intelectual de amor à humanidade. 

O humor é fundamental, mas séculos de zombarias e gargalhadas não eliminaram a astrologia, as crenças supersticiosas ou os fundamentalismos religiosos. “É porque é preciso um mínimo de espírito para apreciar o espírito, e aqueles que o têm já são convertidos; para os outros, o muro da estupidez constitui uma blindagem impermeável à ironia. Portanto a ironia é para uso interno; ela mantém o bom humor, permite suportar a estupidez e absorver os golpes baixos da existência.” (Minois, p. 435).  


A lista dos problemas causados pelo fundamentalismo islâmico: terrorismo, tirania teocrática, submissão das mulheres,  intolerância e perseguição dos muçulmanos moderados, medo da cultura ocidental.

Enfim, o riso é um remédio potente contra a angústia através da qual rumamos paulatinamente para a morte, a explosão de uma risada seria a explosão vital e não fatal ou condenável. O riso pode aumentar as rachaduras da razão pretensamente absoluta e exclusivamente verdadeira. É isso que os fundamentalistas não o suportam, pois a acidez do riso corrói as estruturas que sustentam os mitos das certezas eternas.  

Nem sempre o humor é gratuito, saudável ou favorece as boas relações humanas. O humor também pode exacerbar preconceitos, dogmas, ódios ou racismos. O sarcasmo não é a mesma coisa que a derrisão. Rir de quem não pode se defender ou das vítimas de injustiças ou desgraças é uma covardia. 
Lembro uma entrevista do saudoso Bussunda, humorista do grupo Casseta e Planeta, onde ele afirmou que tudo tem limites, até o humor. Mas esses limites não podem ser delimitados com a violência discricionária e autoritária dos que pensam que são donos da verdade. Ou, pior, dos que estão convencidos de que uma divindade lhes contou a única e exclusiva verdade sobre a Terra.



 OBS.: Deixo claro que faço uma distinção profunda entre o islamismo (uma religião respeitável enriquecedora, como todas as outras religiões que pregam a paz e a tolerância) e o fundamentalismo islâmico, uma perversão tão nefasta quanto aos outros fundamentalismos religiosos ou políticos. 

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Diário de bordo - Norwegian Spirit


Gosto dos navios. Curto dormir embalado pelas ondas, ler relaxadamente por puro prazer, degustar vinhos com comidas saudáveis, conversar com algumas pessoas, dançar em algumas noites mais inspiradas e olhar demoradamente as paisagens que vão se apresentando ao nosso redor. Não sigo a intensa programação de bordo, forço amizades ou me insiro em bandos organizados. Tampouco jogo no cassino, assisto os shows estereotipados ou me empanturro com gorduras, açúcares e calorias anódinas.

Nesta temporada de viagens tive uma reunião na Universidade de Girona (19 de dezembro), onde fui com o professor Antonio Sarti. Depois fiquei em Barcelona onde passei o Natal sozinho, no hotel. Foi a segunda vez que passei Natal só (a primeira foi em 1986, em Orlando, Flórida, quando era guia internacional da Abreu). É uma experiência exigente, pois nossa cultura exige um Natal familiar e gregário, mas era o que eu tinha de possibilidades, pois o navio zarpou de Barcelona só no dia 26,  regressando em 5 de janeiro. Iria na missa do Galo que, na Espanha, é realizada à meia-noite. Mas senti, à tarde, o início de um leve resfriado que me acompanhou nos próximos dias, então fui dormir. Dia 25, fui à missa na Catedral, celebrada pelo Cardeal de Barcelona. Depois almocei no 111, restaurante do hotel Meridién, localizado na Rambla, que serviu um menu de Natal com muitos vinhos da casa Marquês de Riscal e uma boa cava.

No dia 26 (dezembro de 2014) embarquei no Norwegian Spirit, um navio com 75.904 toneladas, lançado ao mar em 1998 (renovado em 2011), capacidade de 2 mil passageiros, com um sistema auto-denominado free style, sem horários fixos para alimentação e com boas opções de entretenimento e alimentação. Além do bufê 24 horas, há dois restaurantes com cardápios generosos e incluídos no pacote, além de seis restaurantes (dois japoneses, asiático, italiano, francês, carnes), pagos e com exigência de reserva antecipada (custam de 15 a 30 dólares, por pessoa, sendo que pratos como lagosta tem um acréscimo de mais 10 dólares).


O Norwegian Spirit atracado em Funchal, ilha da Madeira.

Viajando só, reservei uma cabine externa sem varanda e me esparramei na cama de casal. Levei um dos volumes de Fundação, do Isaac Asimov para ler, mas deixei para comprar minha literatura de bordo em Girona (onde Sarti me levou numa ótima livraria) e em Barcelona, cidade com opções escandalosas em todas as áreas da vida. Escolhi algumas obras de Joseph Conrad, dois romances de Carlos Sanrune (um espanhol pouco conhecido no Brasil), três obras místicas cristãs (Anthony de Mello, Tomás de Kempis e Raimon Panikkar) e um livro de Amand Puig sobre a simbologia teológica da Sagrada Família, fabulosa Basílica idealizada por Gaudí. A ideia não era ler tudo, mas ter opções de acordo com os humores dos dias e lugares, mas li o bastante.


Camarote 4566, deque 4, externa.

O embarque foi tranquilo e rápido. Cheguei no Terminal Marítimo às 12h45. Despachei a mala, passei pela segurança (raio X), fiz o check in (já preenchera tudo pelo site da Norwegian Cruise Line), peguei o cartão de bordo, subi a escada rolante, percorri o finger envidraçado e às 13h07 entrava na minha cabine. Tudo em 23 minutos! Mais dois grandes navios de cruzeiros estavam atracados, cada um em seu terminal. Aliás, é o normal nos principais portos decentes dos EUA, Europa e Ásia.


Um dos três terminais marítimos de passageiros de Barcelona. Note que o embarque e desembarque é feitos por fingers, como nos aeroportos modernos. 



Vista do porto de Barcelona, à bordo do Spirit.

Naquele caos execrável que é o porto de Santos, já demorei três horas para embarcar. No Rio de Janeiro, demorei mais de uma hora e meia. Devido à falta de infraestrutura, taxas elevadíssimas, corrupção e péssimo serviço portuário, o Brasil é cada vez mais um destino insignificante no florescente mercado de cruzeiros marítimos. Nessa temporada apenas uns 17 navios fizeram cruzeiros na costa brasileira, enquanto no passado chegaram a ser mais de trinta barcos. Porém sem vontade política e condições confortáveis para embarque e desembarque (sem contar as nefastas exigências de sindicatos altamente dúbios) não há negócios florescentes, especialmente no verão brasileiro, com temperaturas acima de trinta graus centígrados e chuvas abundantes que pioram ainda mais as já péssimas condições dos portos.

A maioria dos passageiros do Norwegian Spirit é europeia e norte-americana. Há cerca de 90 brasileiros a bordo, incluindo um grupo com 64 pessoas, coincidentemente com vários conhecidos de Campinas e interior de São Paulo, muitos relacionados com meus velhos tempos de PUC-Campinas.
Passageiros em cruzeiros no inverno europeu em geral são pessoas que já fizeram outros cruzeiros, curtem o clima tépido na costa africana e nas ilhas Canárias e Madeira e apreciam a vida à bordo, cada um curtindo a sua preferência: jogos ao ar livre, cassino, leituras, gadgets (GPS, games, notebooks), boas bebidas e comidas que vão do mediterrâneo ou asiático saudável até mesmo a mescla de carboidratos e açúcares letais que alguns se aventuram a devorar. Zarpamos pontualmente às 17h00. Aliás, o navio cumpriu todos os horários do cruzeiro, rigorosamente. A exceção foi em Málaga, quando saiu com 15 minutos de atraso, algo desprezível.   



Alvorada, nas costas do Marrocos, vista do salão de festas na proa do Spirit. 

CASABLANCA (28 de dezembro) – Estive pela primeira vez no Marrocos em 1998, num congresso da AIEST (Associação Internacional de Especialistas Científicos do Turismo) sediado em Marrakech. Na época conheci Casablanca rapidamente. Dessa vez fiquei o dia todo andando pela cidade que, na verdade, é descartável em termos de destinos turísticos, pois não é uma cidade estética ou urbanisticamente bonita, apesar de algumas praças e jardins razoavelmente monumentais. O que vale é a imensa mesquita Hassan II, situada à beira mar, uns três quilômetros do porto. Entre a mesquita e o porto estão construindo um mega empreendimento imobiliário com prédios comerciais, residenciais, shoppings e hotéis. Já comprometeu a ampla vista que se tinha do templo.  Como era domingo, boa parte do comércio estava fechado e as pessoas aproveitavam para passear com as famílias. Apesar do dia de descanso muçulmano ser na sexta-feira, o Marrocos segue o dia de descanso cristão pela proximidade comercial com a Europa.



O imenso minarete da Mesquita Hassan II, de Casablanca, vista do porto.


Entre o porto e a mesquisa Hassan II, estão construindo um complexo de prédios residenciais, comerciais, shopping e hotéis chamado Casablanca Marina. Uma pequena parte já está pronta. 



Eu, em frente à mesquita e sua praça monumental.  

FUNCHAL (30 de dezembro) – Desde 1979, quando trabalhei na agência Abreu de São Paulo e comecei a viajar no navio Funchal, tinha vontade de conhecer a ilha da Madeira e sua bela capital, cantada e louvada por todos que lá foram (e com razão). Conheci Portugal inteiro, os Açores, Málaca e Macau (antigas colônias portuguesas na Ásia) mas, até então, a Madeira era um não-lugar, uma ilha invisível, para mim. Fui um dos primeiros a desembarcar e, com uma senhora norte-americana e suas filhas (amizade de bordo), contratei um táxi para percorrermos boa parte da ilha: cabo Girão, Curral das Freiras, pico do Areeiro (ponto culminante da ilha) e Câmara do Lobos, onde antigamente os lobos marinhos encontravam refúgio na vila dos pescadores, hoje apenas um simulacro turístico de seu rústico passado. Depois andei pelas ruas de Funchal e almocei no restaurante Londres onde comi o famoso bolo de Caco (pão com manteiga de alho) e a perca grelhada, um peixe delicioso, com legumes, regado a vinho branco. O casario e os prédios mais altos de Funchal se esparramam pelas montanhas, ao longo do anfiteatro natural que forma a baía. O réveillon na ilha é famosíssimo por abrigar navios de cruzeiros e pelo festival de fogos de artifício lançados do alto das montanhas colorindo os céus, mares e desfiladeiros monumentais da ilha, mas esse foi um espetáculo que não assistimos, pois zarpamos às 17h00, do dia 30 de dezembro, para Tenerife.


O Curral das Freiras, escondido em um vale montanhoso. 


Do alto da trilha de onde se vê a área do Curral das Freiras. 


Funchal está em um anfiteatro natural. Do alto vê-se todo o porto. O Spirit é o maior, à esquerda, 


Cabo Girão. Um rochedo que se eleva a 580 metros sobre o mar. 



Uma plataforma de vidro mostra a praia, 580 metros abaixo. 


O Spirit, visto da avenida costeira de Funchal. 


Cristiano Ronaldo nasceu na Madeira. Estou ao pé da estátua do gajo, recém inaugurada.



Zarpando da Madeira. I will be back... i hope so.


TENERIFE (31 de dezembro) -  Entre 1998 e 2000, dei aulas na Universidad de Las Palmas de Gran Canaria. Era um curso de uma semana, sempre em janeiro, para a pós-graduação em Turismo. Falava sobre a pós-modernidade e as tendências do turismo, hospitalidade e entretenimento. Ficava em um apartamento da Universidade e tinha toda a liberdade de ficar mais alguns dias, então na época visitei Tenerife e Lanzarote, ilhas para as quais agora regressava. Como já conhecera o Teide, o majestoso vulcão canário, tendo passado uma encantadora noite em sua encosta, no Parador Cañadas del Teide, a 2.200 metros de altura, aproveitei para conhecer melhor a cidade. Fui num locutório (onde há internet e telefone por satélite, super-baratos) e telefonei para alguns familiares e amigos do Brasil, no último dia do ano de 2014. No navio, cada minuto de telefone custa 5 dólares e o minuto de internet custa de US$ 0,50 a US$ 0,79. Para ter ideia da diferença, no locutório falei uns 25 minutos, em vários telefonemas, gastando meros 3 euros.   


O navio britânico Queen Elizabeth estava em Tenerife, nos aguardando.


O QE, visto de nosso navio, ao atracarmos em Tenerife. 



Companhias como a Costa e Aída (na foto, um navio alemão) organizam tours guiados em bike, saindo direto do navio para ruas e trilhas.


Tenerife, no último dia de 2014. 

REVEILLON – Zarpamos de Tenerife às 17h00 e a nave entrou no clima de final de ano. Fui para o camarote pela TV ver os réveillons da Ásia e Oceania e me preparei para o jantar. O grupo de brasileiros, eu já enturmado com um monte de gente, foi para o Cagney´s, onde comi uma salada de caranguejo e um filé de bisão, algo inédito na minha dieta carnívora heterodoxa. Leve, saboroso e nutritivo. Tudo regado a muito champagne. Depois fomos ao atrium lobby, decorado com balões coloridos, música ao vivo e lotado de gente bem vestida e animada, para a contagem regressiva rum a 2015. Fatalmente lembrei-me do filme O destino de Poseidon, mas a nossa festa foi bem mais feliz. Entre abraços, beijos, votos benfazejos e bebida derramada, rompemos a ano novo. Depois continuamos a brindar e acabamos dançando e cantando em algum lugar da nave.



Há anos não via a amiga Sandra Mara, de Campinas. Fui encontrá-la à bordo e bebemoramos devidamente.

LANZAROTE (01 de janeiro) – Acordei tarde e ao olhar pela janela do camarote (na verdade uma charmosa escotilha redonda) vi a ilha que foi tomada pela lava vulcânica há uns 200 anos, um território árido com cactos, algumas videiras e onde José Saramago morou nos últimos anos de sua vida. Passeei pela pequena vila, olhei o mar límpido e cristalino e voltei a bordo para morgar pelo resto do dia. Demos adeus ao Atlântico norte e regressamos para o Mediterrâneo.

 MÁLAGA (3 de janeiro) – De volta à península ibérica, à jangada de pedra que é berço de minha cultura luso-espanhola, aproveitei o dia frio e ensolarado para, com a amiga Sandra Mara, subir na Alcazaba, o antigo palácio e a fortaleza islâmica que dominavam a Andaluzia, antes dos tempos da reconquista cristã (1492). Depois flanamos pela cidade, fomos ao mercado e bebemos sangria com uns tapas num bar local. Último porto do cruzeiro e pensando nas coisas da vida, a saída do navio deu-me uma melancolia frente à beleza da baía de Málaga, toda iluminada, sob a lua quase cheia platinando o Mediterrâneo e o ar frio gelando as orelhas. Naquela tarde, na internet, soube da morte da professora Eunice Mancebo, da Unirio. Ela deixou uma bela mensagem de ano novo no facebook, dia 1º de janeiro, e depois teve um infarto fatal. Estive com ela em Aveiro e no Rio de Janeiro, em eventos acadêmicos, quando conversamos bastante. Pouco a conheci, muito a admirei. Bebi uma taça de vinho à sua memória e agradeci ter convivido com alguém tão alto astral.



Málaga não é grande (600 mil habitantes), mas possui terminais marítimos decentes. 


Detalhe do finger. Simples e eficiente, mas no Brasil a burocracia e os interesses (sic) sindicais portuários não permitem essa luxúria turística. 


Lua cheia sobre o crepúsculo em Málaga. 




Málaga, último porto de escala do cruzeiro. 

BARCELONA (5 DE JANEIRO) – Chegamos ao porto às cinco da manhã. Acordei às sete, tomei um desjejum leve e às 08h45 deixei meu camarote pela última vez. Peguei o elevador até o deque 7, saí do navio depois de enfrentar uma pequena fila (umas dez pessoas), percorri o finger até o terminal de passageiros, apanhei minha mala na esteira, fui para a fila do táxi (umas cinco pessoas) que estava devidamente organizada pela Polícia Portuária. Às 09h04 entrava no táxi rumo ao hotel. Dezenove minutos para desembarcar com tranquilidade, conforto e segurança.



As malas recebem quatro conjuntos de cores diferentes e são distribuídas em quatro esteiras rolantes...



... em um amplo espaço do terminal. Rápido, eficiente e seguro, como na maior parte dos portos europeus e dos países que respeitam os fluxos de viagens e turismo. Em 2007, fiz um cruzeiro pelo mediterrâneo oriental com a Royal Caribbean e foi a mesma tranquilidade. Destinos turísticos importantes na América do Norte, Ásia e Oriente Médio igualmente possuem facilidades portuárias para passageiros e cargas. Afinal todo viajante merece carinho e atenção longe de casa. Falando nisso, já é quase hora de voltar aos trópicos.