sábado, 5 de dezembro de 2015

Como se comportar nas festas de fim de ano

Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo
Texto originalmente publicado no site Hotelier News. 
Versão atualizada e ampliada, 2015.



Final de ano é época de churrascos, festinhas, comemorações, coquetéis e almoços ou jantares para comemorar a passagem simbólica de mais um ano e do Natal. Quando a festa reúne colegas de trabalho, isso significa que alguns cuidados devem ser tomados para que você não pague micos ou seja o bobo da corte. Ou pior, seja demitido logo depois da farra ou comprometa sua carreira. Festa corporativas ou institucionais não tem nada a ver com festas familiares ou da universidade (quando se é estudante), onde a gente põe o pé na jaca e não se preocupa com as consequencias. 

Para evitar vexames e constrangimentos no mundo do trabalho, aqui está o Guia básico Luiz Trigo para Festas Corporativas, um texto prático, exemplificado e comentado, para que você sobreviva às festas de final de ano e não fique com ressaca moral pós esbórnia. Sei o que escrevo porque nem sempre cumpri todas as regras, mas sobrevivi aos percalços e soube onde amarrar minha capivara comportamental. Por via das dúvidas, leia e se cuide.

  1. Bebida

Cair de boca em tudo que é líquido alcoólico é pavimentar o caminho para o desastre. O álcool nos deixa relaxados, informais, melancólicos, agressivos, desbocados e inconvenientes, não exatamente nessa ordem. Beba sem moderação só em casa ou com seus amigos íntimos e nunca com colegas de trabalho, porque seus chefes - e aquelas pessoas que te detestam - estarão na festa esperando você pisar no tomate para te espinafrar. Não misture bebidas, não beba demais, não cuspa no chão e nem pense em usar drogas no banheiro ou no terraço. Em todo caso, lembre-se de que moral de bêbado não tem dono.

  1. Roupas
 (Zardoz, 1974. Filme de ficção científica)

Sempre discretas, decentes e de qualidade. Se a festa for na piscina ou na praia, nada de sungas ou biquinis sumários. Se for algo informal, use tênis, jeans (ou bermudas) e camiseta. Para a noite ou em almoços mais formais, um blazer sempre dá um ar cerimonial. Evite gravata, a não ser que todo mundo use, o que é raro. Discrição e elegância jogam juntas, mas com bom humor e bom senso muita coisa é permitida. Higiene pessoal é obrigação básica. Enfim, pondere se o contexto cultural da festa permite certas liberalidades ou não.

  1. A língua

Não fale mal da festa ou das pessoas que lá estão. Evidentemente essa é a parte mais divertida e sempre há muita gente que se expõe para ser ridicularizada ou achincalhada, mas ali não é o local adequado. Quando muito, comente com seus asseclas mais íntimos, lembrando que numa briga futura tudo pode ser usado contra você. Seja agradável, social, educado(a) e ouça mais do que fale, pois qualquer pessoa parece inteligente quando fica de boca fechada. Pode fazer comentários espirituosos ou contar casos interessantes, mas sem monopolizar a conversa ou querer se mostrar além do que é razoável e isso é difícil de delimitar, especialmente depois de beber. Nada de polemizar, discutir, fazer propaganda política ou religiosa, ainda mais nesses tempos obscuros e plenos de ódio. Também não é OK enaltecer seu time, fazer autoelogios, mostrar fotos de suas crianças ou das cicatrizes de acidentes ou cirurgias. Outra coisa, nada de propor o “jogo da verdade” com seus amiguinhos, pois sempre tem um(a) tonto(a) que não sabe quando parar de falar besteira sobre si mesmo e os outros, inclusive de você. .


  1. Onde se posicionar?

Circulando, fazendo networking, mudando de grupos e pessoas. Não fique na sua panelinha, dando carão aos outros, você não está numa balada. Não fique na frente de portas, escadas ou passagens atrapalhando o trânsito dos garçons ou dos convidados. Tenha certeza de que as pessoas que importam te viram na festa e cumprimente-os com sobriedade e polidez. Não grude em gente que não te quer por perto, a menos que você queira propositalmente irritar a criatura ou delimitar seu espaço profissional, mas não abuse desse artifício, pois festa é para se divertir e não para aporrinhar os outros.

  1. Como tratar as pessoas
 

Sem intimidades ou atrevimentos, sem gritar ou chamar a atenção para alguém ou um grupo. Fique na sua. Seus colegas não são seus amigos íntimos (muito menos seus chefes) e não é porque você tomou um vinho com algum superior(a) que será convidará para a casa da criatura. Não fale palavrões fora do padrão médio do público onde você está. Não faça fofocas, intrigas, fuxicos ou conte piadas (muito) politicamente incorretas, você não sabe quem está ao seu lado ou qual a preferência sexual ou alimentar dos colegas. Se for apresentado a alguém mais velho, trate de senhor/senhora a menos que a pessoa libere o tratamento mais informal.

  1. Flertar

Faça isso como os porco-espinhos fazem sexo: com cuidado, muito cuidado. Um olhar, uma gracinha de bom gosto ou um elogio espirituoso são passáveis. Agora, se perceber permissão para aproximação e gostou da oferta, converse, sorria, marque discretamente e saia para terminar a confraternização fora do ambiente profissional. Os outros não precisam saber com quem você dormiu depois da festa (ou durante, quem sabe). Atualmente o rótulo de galinha não pega bem, nem para homens, nem para mulheres. Se você trabalha num prostíbulo essa regra não se aplica, mas sempre há uma ética e etiqueta locais que precisam ser conhecidas e obedecidas em todos os lugares, até mesmo num lupanar.

  1. Tretas e badernas

 Quer coisa melhor que subir na mesa, no meio da festa, berrar o nome do seu chefe e fazer uma rima terminando com hu-huuuuuu!!!  Mas é uma péssima ideia. Se você seguiu a regra número 1 (não beber), estará provavelmente livre desses micos execráveis como cantar músicas em coro, abrir a camisa para mostrar os músculos (ou a gordura), fazer trenzinho dançando com os colegas, tirar os sapatos ou jogar comidinhas (cerejas, amendoim, ovos de codorna, azeitonas, caroços de azeitonas) nos outros. Para aqueles(as) que piram apenas respirando oxigênio, não esqueçam de tomar um gardenal antes do evento. O mesmo vale para certas brincadeiras e atividades recreativas. Bom humor é bom, mas grosseria e chatices são detestáveis. Não tire fotos ou filme as pessoas em posições constrangedoras para depois colocar nas redes sociais, as festas corporativas são privadas e não devem ser expostas indiscriminadamente ao público. Eu mesmo tenho algumas fotos indecentes de amigos(as) e morro de vontade de postar, mas enquanto  estiver lúcido não o farei.

  1. Dançar
 

Sempre é bom e saudável, mas sem fazer coisas como a dança da garrafa, ser mais grotesco ou vulgar que a mídia, encostar nas pessoas, passar a mão boba, dar tapas ou jogar os outros no chão. Faça isso na sua casa, nunca numa festa da empresa ou da instituição.

  1. Comida

Pode comer à vontade e repetir (discretamente) quantas vezes quiser, mas nada de encher o prato ou falar de boca cheia. Se for uma dessas festas onde há comida para usar garfo e faca e não tiver onde sentar, procure algo que possa cortar com o garfo e mesmo assim você não terá uma terceira mão para segurar o copo. Nada de arrotar, fazer barulhos com a boca, palitar os dentes ou limpar os lábios na manga da sua camisa (muito menos nas dos outros). Não fale mal da comida; não elogie demais, pois você não é carente; não se espante com entradas ou pratos exóticos, pois isso passa a imagem de jeca ou desinformado; se for alérgico a algo, identifique o perigo antes de por na boca, será horrível ter um choque anafilático no meio da farra; não cheire as coisas antes de comer; não pegue algo, olhe com cara de nojo e coloque de volta. Se não gostou da gororoba, deixe no prato e depois jogue discretamente em algum lixo. Outra coisa, não pegue comida do prato dos outros, a menos que seja alguém muito íntimo, mas mesmo assim é uma ação dúbia.


  1. Lembrancinhas

Nada de levar como recordação vasinhos de flores, bexigas, garrafas de bebidas, comida, copos, candelabros ou peças de roupas dos outros. Se derem um prêmio, ganhar algo no sorteio, entregarem uma lembrança para você levar, tudo bem, senão saia de mãos abanando. Passar por jeca ou miserável é a pior coisa que pode acontecer a um profissional.


  1. Regra de ouro


Última regra. 

Se nada disso funcionar, pelo menos lembre do 11º Mandamento: não serás pego em flagrante.

Boas festas de final de ano e não faça nada que eu não faria.


segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Atitudes inconvenientes




Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2015.

Vivemos em tempos de intolerância, ódios e ressentimentos que se expressam pelos espaços reais ou virtuais de nossas vidas.  Discussões políticas, religiosas, culturais e sociais envolvem pessoas e grupos em debates nem sempre profundos e edificantes. Isso é importante para uma criação de consciência cidadã e democrática mas todo debate deve ser inserido em um contexto amplo e baseado em fatos ou conceitos bem estabelecidos. Ser bem fundamentado, educado, atencioso e ético, tudop isso é a base de um marketing pessoal sólido.

Outra exigência importante é evitar certas atitudes que são desagradáveis e atrapalham a convivência. Abaixo apresento uma lista dessas chatices. Uma primeira versão dessa lista foi publicada, há alguns anos, no site da Hotelier News, tendo sido atualizada e editada. Mas você pode adicionar outras chatices, jequeiras e inconveniências.
 Gritar com os outros...

Pequena lista de atitudes inconvenientes:

Entrar em salas VIP sem ser credenciado ou convidado;

Abusar da hospitalidade das pessoas em refeições, hospedagem, favores etc.;

Beber demais em festas familiares, sociais ou corporativas;

Não se vestir adequadamente para as diversas ocasiões;

Atender celular em reuniões, palestras, ofícios religiosos, cinemas, teatros, shows etc.;

Ficar despachando ou escrevendo no blackberry ou no computador durante reuniões e eventos formais onde se espera a atenção das pessoas;

Fazer ruídos com a boca (arrotar, chupar dentes, cochichar demais etc.) em reuniões, cerimônias e lugares públicos;

Jogar no celular à mesa, ignorando os colegas;

Falar demais;

Falar alto demais;


Cheiros excessivos e invasivos (mau hálito, suor, perfume forte...);

Dirigir o carro nas faixas da esquerda em velocidade menor à permitida;

Abrir bolsas, carteiras, gavetas, armários ou geladeiras dos outros sem autorização;

Bater no calcanhar dos outros com carrinho de supermercado;

Encontrar alguém que não vê a muito tempo e exclamar: “Nossa, como você está acabado(a)!!!”. Ou na versão, “Nossa, como você engordou!”; ou ainda "Mas como você emagreceu, está bem mesmo?"

Fazer reunião ou ajuntamento para conversar no meio do corredor, de escadas ou em frente a portas e acessos para algum outro lugar;

Vendedor insistente que pressiona a gente a comprar o que não gostou ou não quer por algum motivo;
 

Manobrista que desregula tudo do seu carro no estacionamento (retrovisor, banco, ajuste da direção...);

Passear com cães sem coleira ou deixá-lo em casa sozinho, latindo e incomodando os vizinhos;

Não limpar a sujeira do animalzinho nas ruas, praças e locais públicos;

Furar fila;

Ficar conversando ou demorar a escolher a comida nos bufês enquanto a fila aumenta;
 

Mandar correntes ou mensagens tolas (reclamações, mensagens políticas, religiosas ou particulares) pela Internet. Bom humor é legal, desde que em volume razoável;

E-mails desnecessariamente longos ou detalhados em excesso;

Mandar arquivos pesados pela Internet, especialmente sem necessidade ou fora do campo profissional. Os Correios e transportadoras continuam a transportar objetos e coisas volumosas;

Ser chato discutindo política, esporte ou religião abusadamente nas redes sociais;

Aproveitar o espaço para perguntas em palestras para falar demais de si mesmo ou de suas ideias fazendo quase outra palestra. O espaço é para perguntas ou comentários rápidos;

Telefonar para as pessoas em horas tardias ou muito matinais;

Oferecer de porta em porta propaganda comercial, política ou religiosa, especialmente logo cedo e nos finais de semana;

Propaganda feita com carros de som pelas tranqüilas ruas de bairros à tarde, nos finais de semana e feriados;

Som extremamente alto do carro para os outros saberem do gosto (em geral estragado) do ouvinte;

Telemarketing. Em geral o ápice das inconveniências.

 E finalmente...



Lista dos males corporativos que comprometem uma estrutura e suas equipes:

Não são apenas as atitudes individuais que atrapalham o bom relacionamento e convivência. Instituições possuem carências e defeitos que bloqueiam ou comprometem suas operações, atividades e planejamentos. Algumas delas são:

culturas cristalizadas; 

rivalidades históricas entre facções ou pessoas;

engessamento jurídico-político e obstruções legais ou burocráticas;

resistências à críticas, mudanças e abertura a novas idéias;

hermenêutica cristalizada em dogmas; 

preconceitos dos mais diversos tipos; 

ignorância dos elementos inovadores e transformadores; 

estruturas hierarquizadas onde os chefes se  julgam superiores a tudo e a todos; 

cinismo, hipocrisia e arrogância; 

bajulação extremada; 

irresponsabilidade fundada em relações perversas de dominação; 

insegurança; 

patrulhamento ideológico e metodológico; 

suscetibilidades pessoais e profissionais; 

neuroses descontroladas; 

argumentos emocionais fundamentados no medo ou na covardia.
  
Tudo isso traz prejuízos, desencontros, conflitos e, muitas vezes, desastres.

Vale. A empresa mais inconveniente e anti-ética de 2015.

domingo, 15 de novembro de 2015

Terrorismo, culturas, turismo - mesclas perigosas


Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2015

Introdução


Mais um ataque islâmico contra uma das grandes cidades ocidentais. New York, Madrid, Londres, Paris são alguns dos ícones da civilização ocidental que sofreram atentados direcionados à população civil e à alvos que nada tem a ver com atividades militares: edifícios comerciais, aviões de passageiros, trens, restaurantes, casas noturnas ou bares, todos componentes da malha de serviços ligados ao entretenimento, gastronomia, cultura e turismo. São alvos mais fáceis, menos protegidos e as pessoas que por lá transitam são, em geral, sem treino de combate e totalmente desarmadas.  Alvos fáceis, soft targets, em inglês, conforme explicado em uma postagem da agência de segurança Stratfor, em 2012:

https://www.stratfor.com/weekly/persistent-threat-soft-targets 

Um dos primeiros alvos soft da história recente foram os atletas israelenses assassinados na olimpíada de Munique, em 1982. A inteligência israelense se vingou de todos os terroristas envolvidos e a história foi contada no livro A hora da vingança, de George Jonas (Rio de Janeiro: Record, 2006) e trabsformada em um filme de Steven Spielberg (Munique, 2005). Em dezembro de 1975, em Viena, a reunião da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) foi atacada por comandos de Carlos, o Chacal. cerca de 60 membros foram feitos reféns e ao final da operação três pessoas morreram. As embaixadas também são alvos históricos de ações violentas, seja invasões, ataques por carros bomba ou mísseis.

Você e eu somos soft targets. Em um mundo onde a espiral de brutalidade cresce em meio ao fanatismo religioso, a intolerância política, as injustiças sociais, a brutal concentração de renda e a promoção de uma cultura de ódio e ressentimento, a banalização da violência e a perda do valor da vida humana se mesclam em horrores que remetem a fases obscuras de nosso passado. Os avanços tecnológicos e das comunicações, os prazeres proporcionados pela diversificação dos lazeres, os novos remédios e métodos de proteção à saúde, tudo isso ainda não atinge a totalidade da humanidade. Parte dela sobrevive na miséria, na ignorância e na doença, física e psíquica. Essa população é presa fácil do crime organizado, de políticos inescrupulosos, de líderes religiosos psicóticos ou gananciosos, de empresas corruptas e de governos pusilânimes.

Prisioneiros do Estado Islâmico pendurados por correntes, da forma mais dolorosa, enquanto queimam lentamente em fogueiras ao ar livre. Tudo fotografado, filmado e postado na internet. Conduta típica de psicopatas.

Não é coincidência que os maiores índices de violência do mundo estejam na América Latina (México, Brasil, Guatemala, Honduras, El Salvador...), na África, nas parcelas mais pobres da Ásia ou no Oriente Médio. Mas o terrorismo islâmico contemporâneo provém principalmente do Oriente Médio muçulmano, uma região cuja história, nos últimos setenta anos, é a história do fracasso do desenvolvimento (Demant, 2004, p. 99). Após a Segunda Guerra Mundial, com a descolonização europeia, surge o pan-arabismo, não territorial, ao lado dos patriotismos territoriais em vários países árabes. O comunismo também foi, nas décadas de 1950 e 1960, uma ideologia significativa, mas logo se dissipou. O projeto minoritário da Irmandade Muçulmana, surgida no Egito, na dpecada de 1950, evoluiu para diversas formas de violência, desde os grupos Fatah e Setembro Negro, até os organizados e centrados Hizbolah e Hamas, do Líbano, chegando às raias da violência psicótica da Al Qaeda e do Estado Islâmico nos dias atuais.    

Há artigos publicados pela polícia norte-americana ensinando sobre sobre as novas técnicas terroristas e propondo alguma proteção por parte dos soft targets. Um dos links é:    

http://www.policeone.com/international/articles/6261724-Terrorist-attacks-Dont-be-a-soft-target/

Ou compre esse livro lançado nos EUA, em 2014:



Turismo, transportes e lugares de prazer: alvos antigos

O turismo é um alvo relativamente antigo dos terroristas em geral. Inicialmente os ataques eram realizados em trânsito, geralmente nos meios de transportes, ou em destinos turísticos importantes como Egito, Bali, Tunísia, Israel, Líbia... Peter Demant afirma que “a estratégia islamista de desestabilização mais brutal – e potencialmente mais eficaz – foi de atingir o turismo, uma das principais fontes de renda em países em desenvolvimento. Além disso, os turistas representam a expressão visível da invasão cultural associada ao Ocidente.” (Demant, 2004, p. 215). Atirar em inofensivos viajantes tornou-se comum o longo da década de 1990, no Egito, mas antes os alvos eram os aviões de passageiros.  

A primeira grande ação articulada de sequestros aéreos aconteceu em setembro de 1970. Terroristas palestinos desviaram um Boeing 707 da TWA, um Douglas DC-8 da Swissair e um VC-10 da BOAC (extinta companhia inglesa) para o antigo campo de pouso britânico Dawson’s Field, na Jordânia. Os 255 passageiros das três aeronaves ficaram retidos seis dias dentro dos aviões e, em 12 de setembro, após a libertação dos reféns, os aviões foram explodidos no solo em uma ação que espantou o mundo. Um quarto avião, um Boeing 747 da Pan Am, foi desviado para o Cairo na mesma época e também destruído por bombas após a libertação da tripulação e dos passageiros. Um quinto avião, um Boeing 707 da El Al que fazia a rota Amsterdã-New York, foi tomado por outro grupo palestino em pleno voo, mas a tripulação dominou os atacantes e controlou a situação. Apesar do impacto causado pela ousadia e destruição dos aviões houve poucos feridos. O terror tornou-se realmente sanguinário quando três terroristas japoneses desembarcaram de um avião da Air France no aeroporto de Lod, em Tel Aviv, tiraram rifles e granadas de sua bagagem no salão do aeroporto e começaram um brutal massacre, em que mataram 25 e feriram 72 pessoas, antes de serem mortos. Foi no dia 30 de maio de 1972, e o mundo soube estarrecido que havia pessoas dispostas a cometer atos violentos mesmo correndo o risco de morrer na ação. No início do mesmo mês integrantes do grupo terrorista palestino Setembro Negro já tinham sequestrado um jato da empresa belga Sabena e tropas israelenses retomaram o avião em uma precisa ação militar, libertando 92 passageiros. Foi também em 1972 que um comando palestino massacrou atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique, manchando para sempre a disposição pacifista e internacionalista dos Jogos Olímpicos.

Explosão dos aviões em Dawson´s Fields,  na Jordania (1970). Não houve mortos ou feridos, os terroristas queriam apenas a propaganda de sua causa e libertaram todos antes de detonar os jatos no deserto. Há um filme sobre a ação, no YouTube. 

A mais espetacular ação retaliatória contra terroristas foi realizada por Israel no dia 4 de julho de 1976, quando comandos israelenses executaram a ação de retomada de um avião da Air France no aeroporto de Entebbe (Uganda). Os sete terroristas e mais 20 soldados de Uganda foram mortos em uma ação rápida e precisa que custou a vida de três reféns e do comandante da operação. O sequestro foi realizado por cinco terroristas palestinos e dois alemães da extinta Facção do Baader-Meinhoff, que levaram o avião para a África, onde o regime local deu apoio aos terroristas. Já se percebiam claramente as conexões internacionais do terrorismo, unindo grupos desesperados que buscavam uma revolução mundial, na época seguindo moldes marxistas, bem diferente da movimentação dos extremistas muçulmanos atuais que pregam um regime religioso baseado em sua interpretação particular (e distorcida) do Alcorão. Um outro grupo do Baader-Meinhoff sequestrou um jato da Lufthansa em agosto de 1977 e levou o avião para Mogadiscio, na Somália. Tropas de elite, as SAS inglesas e as do GSG-9 alemão libertaram os reféns em outra ação extremamente precisa, mas o comandante do avião acabou morto. 

Durante os anos que se seguiram houve várias bombas despachadas a bordo de aviões, sendo a mais famosa a que derrubou um Boeing 747 da Pan Am sobre a cidade escocesa de Lockerbie, em 21 de dezembro de 1988, matando 270 pessoas. Os sequestros diminuíram graças às medidas de segurança adotadas em aeroportos, mas os anos 1985 e 1986 viram um recrudescimento das táticas terroristas. Em dezembro de 1985, um comando palestino matou várias pessoas no aeroporto Leonardo da Vinci de Roma e, no primeiro semestre de 1986, uma série de atentados aterrorizou várias cidades europeias. Devido ao medo de novos atentados terroristas na Europa e à explosão da usina nuclear de Tchernobil na Ucrânia (na então União Soviética), que deixou uma nuvem radiativa pairando sobre parte da Europa, o ano de 1986 no Brasil viu dobrar o número de turistas estrangeiros. 

Concepção artística de como seria a explosão do B747 da Pan Am, causada por uma bomba, em pleno voo. Anos depois o governo de Gadafi, na Líbia, se responsabilizou pelo atentado.

Os ataques de 11 de setembro de 2001 caracterizaram-se por ser uma ação suicida de envergadura e demonstraram a vulnerabilidade das sociedades pós-industriais diante de grupos desesperados e deliberadamente marginalizados das relações internacionais convencionais. Alguns analistas sugerem que atentados terroristas futuramente poderão ser feitos com armas nucleares táticas roubadas de arsenais da antiga União Soviética, ou com armas bioquímicas. Dominique Lapierre e Larry Collins, no livro O quinto cavaleiro, publicado no início dos anos 1980, analisam detalhadamente o que uma bomba atômica faria no centro de Manhattan, e Tom Clancy, no livro A soma de todos os medos, mostra como um artefato nuclear pode ser recuperado para ser detonado em um atentado terrorista. O mesmo Tom Clancy escreveu sobre armas biológicas (que usam especialmente o vírus Ebola modificado) no livro Rainbow Six e no livro Ordens do executivo relata como um piloto suicida japonês arremessa um Boeing 747 (sem passageiros) contra o Capitólio, matando o presidente, vários ministros, deputados e senadores. Na época Tom Clancy foi criticado por ter “exagerado” na ficção, pois seria virtualmente impossível um jato comercial invadir o espaço aéreo de Washington e atingir um prédio público importante. A história, porém, superou a ficção no dia 11 de setembro de 2001.
Evidentemente o turismo internacional sofre as consequências do terror ou de qualquer conflito mais generalizado. No período da Segunda Guerra Mundial o fluxo turístico internacional ficou completamente paralisado de 1939 a 1949. Durante a série de atentados de 1986 na Europa e na Guerra do Golfo (início de 1991) houve quedas consideráveis no fluxo turístico em várias partes do mundo, especialmente nas regiões envolvidas no conflito e nos países que apoiavam a ação militar.
O que mudou na lógica do terrorismo foram duas variáveis: seus integrantes passaram a assumir a certeza de que morreriam em operação e os ataques deixaram de ser apenas em locais de trânsito ou nos destinos turísticos dos países em desenvolvimento, para se localizarem nos pontos de origem desses turistas, ou seja, nas grandes metrópoles ocidentais. 

Um pouco antes do onze de setembro, o escritor francês Michel Houelebecq, publicou um romance, Plataforma, onde ele defende cinicamente o turismo sexual e explica detalhadamente como uma operação hoteleira destinada ao lazer sexual pode ser implantada em lugares paradisíacos do planeta como o Marrocos, Mediterrâneo africano ou a ilha de Bali. Um ataque terrorista islâmico acaba com a experiência de Bali, deixando um rastro de mortos e feridos. Um ano depois, no dia 12 de outubro de 2002, ataques simultâneos em bares e discotecas de Kuta, distrito de Bali, deixam 202 pessoas mortas e 240 feridas, a maioria turistas estrangeiros curtindo as delícias do paraíso decadente indonésio. 

A área turística com bares, boates e restaurantes, que foi atacada pelos terroristas, em Bali.

O terror hiper-moderno do século 21

Em 2015, um pouco antes dos atentados contra a sede da revista Charlie Hebdo, Houllebecq publica Submissão, um romance que mostra a França em 2020, dominada por um regime islâmico eleito após anos de instabilidade interna, ondas de violência e descrédito dos políticos convencionais. Em 13 de novembro do mesmo ano, em Paris, a “capital da abominação e perversão”, segundo o Estado Islâmico, ocorre uma onda de atentados contra cidadãos que se divertiam na noite outonal da cidade que é um dos mais importantes destinos turísticos globais e detentora de um acervo cultural e artístico inigualável. 
O circulo se fecha, em pleno século 21. Os alvos fáceis do terrorismo se deslocam dos destinos paradisíacos localizados nos países pobres para as grandes cidades reluzentes onde vivem os que são considerados culpados pelas mazelas que afligem os países pobres. Há um sentimento difuso de ressentimento, o ódio e a má-fé em vários lugares do mundo e, no islamismo, isso se concentra em níveis de complexidade cada vez maiores, dada a expansão geográfica do islã, suas lutas internas e as ricas diferenças culturais dentro da própria religião.
O ressentimento dos fundamentalistas islâmicos se expressa contra as pessoas curtindo a noite em New York, Londres, Madrid ou Paris, bebendo, se drogando, fazendo sexo, dançando e comendo coisas gostosas. As luzes e o dinheiro gasto em diversão ofende os miseráveis, os que são censurados por suas religiões, os reprimidos e recalcados,  os que não tem acesso às condições de prazer que o Ocidente oferece em maior grau e escala, mas sempre de forma espetacular e com estética fascinante.
O ódio é difuso, bipolar. É dirigido aos seus líderes locais nas petromonarquias do Golfo Pérsico, cujas elites ostentam e gastam bilhões em luxo e nos cenários reluzentes em seus desertos prenhes de óleo e gás. Mas é dirigido também aos estrangeiros ocidentais, à Israel (o grande demônio, como os extremistas a denominam), aos turistas ocidentais e orientais que conspurcam seus recatados costumes e poluem sua cultura tribal.    
 A má-fé vem dos religiosos (Nietzsche antecipara essa questão no século 19). Os fundamentalistas ignoram os ensinamentos do Corão, que proíbem fazer mal aos inocentes e prescreve várias recomendações para proteger as pessoas vulneráveis. Quando eles matam "infiéis" ou os rivais dentro do próprio islamismo, os extremistas fazem uso do takfir, um ato de declaração de que o alvo é kafir, ou seja, um descrente que nega a verdade do islã e portanto merece morrer. Isso vale para seus irmãos muçulmanos de outras vertentes ou para os estrangeiros, os que não acreditam na única e verdadeira religião. Uma premissa arcaica e descabida, mas que fascina algumas pessoas e se insere na plebe rude, ignóbil e ignara, com o apoio de alguns bem estudados líderes laicos e religiosos que possuem seus próprios e lucrativos interesses.
Por isso matar inocentes cidadãos, que apenas desfrutam de uma noite tranquila em suas cidades, passeando, namorando ou conversando e bebendo com os amigos, é justificado por uma minoria fundamentalista que conta com a omissão ou complacência de outros religiosos menos radicais. Poucos líderes religiosos islâmicos condenam explicitamente os atos de violência e barbárie desses grupos, mas já há movimentos de muçulmanos leigos mais conscientes que deixam claro não concordar com esses laboriosos fanáticos

       Imam, qual o argumento islâmico contra o estado Islâmico? Imam...? Imam...?

 Evidentemente a intromissão dos Estados Unidos e da Europa no Oriente Médio; as atitudes dos governos israelenses, cada vez mais de direita, em relação aos palestinos; os conflitos entre os migrantes islâmicos e a população local nas cidades europeias, onde sofrem preconceitos e injustiças; em nada ajudam uma situação historicamente delicada, sofrida e onde as razões e culpas se diluem em amálgamas difíceis de serem compreendidos e qualificados. Mas nada justifica a barbárie crescente dos grupos fundamentalistas islâmicos. Não é esse o futuro que queremos para nossas famílias, para nossas sociedades. 

 "Nós rejeitamos a modernidade ocidental"
"Agora coloque a mensagem no YouTube!"

Mas a rejeição ao Ocidente tem seus limites. O uso das tecnologias de informática e telecomunicações, das armas modernas e das redes sociais na internet marcam as ações táticas e estratégicas da Al Qaeda e do Estado Islâmico. É um paradoxo e uma contradição, tão instigantes quanto as contradições ocidentais que, por sua vez, deram incentivo em dinheiro, armas e treinamento para a Al Qaeda, quando ela lutava contra os soviéticos no Afeganistão, na década de 1980. Ou quando agora, nos últimos anos, a destruição dos poderes centrais na Síria e no Iraque por forças ocidentais (incluindo a Rússia) causaram imensos vazios de poder que foram preenchidos pelos fanáticos do Estado Islâmico.    


Membros do Estado Islâmico decapitam uma mulher considerada criminosa, apenas por ela não respeitar seus códigos morais arcaicos. 

Fanáticos religiosos, cruéis (certamente psicopatas), bem armados, organizados e com acesso aos poços de petróleo, dinheiro no exterior, uma rede de colaboração internacional e que usam a internet como propaganda. Conseguem seguidores em alguns países ocidentais, em geral jovens decepcionados com sua sociedade ou sem perspectiva de futuro. São ousados em suas ações de vingança ou, simplesmente, de propagação do terror. Eles não são os únicos párias contemporâneos. Há os maras latino-americanos, as temidas quadrilhas de jovens da América Central; os políticos, religiosos, empresários, narcotraficantes, assaltantes e demais componentes que fazem parte do crime organizado brasileiro, se articulando perigosa e silenciosamente; alguns grupos tribais africanos que espalham o terror em vários países do continente... Os grupos fundamentalistas islâmicos são uma das pragas hiper-modernas, geradas e criadas em um mundo globalizado para uns, injusto para muitos e fragmentado para todos.

Uma das primeiras vítimas é o prazer de viver em paz, com conforto, segurança e comodidade. A liberdade, os direitos civis, o respeito ao pluralismo e à diversidade são algumas das primeiras vítimas, juntamente com as pessoas que estavam lá apenas para relaxar e se divertir um pouco, depois de uma semana estafante de trabalhos, estudos e outras responsabilidades. 



DICAS DE LEITURA

Essas questões são por demais complexas para serem esgotadas em um único post, ou até mesmo em vários artigos e livros. Não é com respostas simplistas nas redes sociais, baseadas no "eu acho", "eu entendo" que melhoraremos alguma coisa nesse contexto tão complexo e contraditório em nossas civilizações. Algumas leituras são fundamentais. Deixo algumas dicas, entre centenas possíveis:

BERGEN, Peter L. Guerra Santa S.A. - La red terrorista de Osama Bin Laden. Barcelona: Grijalbo, 2001. 

BURKE, Jason. Al Qaeda - The true story of radical Islam. London: Penguin, 2003.

DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2004.

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