sexta-feira, 18 de julho de 2014

Brasil, campeão de Hedonismo na Copa




“Não existe pecado do lado de baixo do equador
Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor.”

Chico Buarque

Do seu prazer cuido eu.” Esse é o lema informal dos alunos do curso de Lazer e Turismo da EACH-USP. Um lema descolado que se confirmou na Copa do Mundo depois que pesquisas mostraram o que os estrangeiros mais adoraram no Brasil: alegria e hospitalidade das pessoas, praias, clima, comida e pontos turísticos, nessa ordem. E o que renegaram: preços altos, desigualdade social e trânsito. Sendo assim, sou obrigado a reconhecer aquele lema demagógico, que tem lá a sua validade: o melhor do Brasil são @s brasileir@s, como disse Câmara Cascudo.

Os gringos da Copa saíram com uma ideia paradisíaca do país. O pai do Chico, acima citado, Sérgio Buarque de Holanda, escreveu o clássico Visões do paraíso, onde mostra que desde o século XVI o Brasil excita o imaginário dos estrangeiros com suas fábulas, sonhos, desejos idealizados e realizados. 

Essa é a palavra chave: prazer. Nós, brasileir@s, nos esforçamos para curtir a vida. Somos relaxados, passionais, maliciosos e muitas outras coisas, mas só falarei das qualidades que deliciaram o mundo que nos visitou, física ou virtualmente. Apesar – ou por causa – de tudo, proporcionamos estadias prazerosas àqueles que cedem aos nossos encantos e relevam nossos problemas. 


Alegria e hospitalidade são coisas de quem está de bem com a vida assim como as praias e comidas deliciosas, citadas na pesquisa. Sem contar as bebidas, sexo, drogas, música e clima tropical, que não aparecem formalmente nas estatísticas, mas são evidentes na observação empírica das festas e farras.

Mas nossa esbórnia não é ilimitada, porra-louca pura, que digam os nacionais e estrangeiros que apanharam da polícia, democrática o suficiente para espancar desde ativistas até jornalistas, transeuntes em geral, homens e mulheres de várias idades. A dose regular de relaxo local foi dividida com alguns latino-americanos que invadiram estádios, roubaram ingressos y otras cositas más; com os argentinos que dirigiram loucamente pelas nossas estradas e abusaram do dúbio direito de encher o nosso saco; e até com os dois alemães que tentaram roubar uma obra de arte (uma escultura de bronze de quarenta mil reais)  do saguão do aeroporto de Guarulhos e foram presos. Não foi pior porque boa parte dos indesejáveis foi barrada nas fronteiras. Outros, que passaram pelo filtro, mas cederam à sua torpeza, foram simplesmente detidos e deportados. 

Voltando às coisas boas da vida, dou-me ao direito de viajar no otimismo imaginário. Imagine se esse esforço para proporcionar aos estrangeiros uma boa imagem de nosso país, fosse mantido e ampliado para fazer com que NÒS, o povo, também tenhamos uma imagem melhor de nós mesmos. 


A Copa terminou com o sucesso reconhecido por imensa maioria apesar de tantas coisas: a forma mais ou menos improvisada com que (quase) tudo ficou pronto; das brigas entre facções políticas divergentes; da má vontade de muitos; da rabugentice de outros tantos; das tentativas de sabotagem do evento pelos mais diversos espíritos de porco. Imagine se nossas condições, passadas e presentes, fossem ainda melhores.  

Se o nosso sistema de ensino público gratuito fosse mais decente, teríamos melhor prestação dos serviços nas atividades ligadas ao prazer como viagens, turismo, hotelaria, lazer, eventos, cultura, entretenimento..., pois essas atividades dependem de profissionais qualificados em todos os níveis, inclusive os operacionais e básicos. 

Se o nosso sistema de escolas profissionalizantes e as faculdades fossem melhores, teríamos os gestores, planejadores e analistas dessas áreas com capacidade e criatividade ainda maiores. 

Se muito mais gente não fosse apenas monoglota, os contatos com os estrangeiros seriam ainda mais ricos e produtivos. Sem contar que se os conhecimentos de nossa língua portuguesa, falada e escrita, fossem mais profundos, nos expressaríamos de maneira mais profunda e sublime, entre nós mesmos e com os visitantes de outras línguas.

Outra vantagem da boa educação formal é que as polícias seriam mais preparadas e evitariam essa mentalidade tacanha de que tudo se resolve na porrada, na grosseria e na ameaça. A inteligência é uma arma muito  mais eficaz e sutil, basta ver como a polícia carioca enquadrou a sofisticada quadrilha internacional, ligada à FIFA, que traficava ingressos privilegiados do torneio. Foi um prazer a mais na festança global.

Se a infraestrutura fosse maior, bem articulada e planejada, teríamos conforto nos transportes públicos, nos acessos, nas comunicações e informações, o trânsito seria menos caótico e os custos operacionais em geral bem menores. 

Um dos meus colegas, professor de Políticas Públicas, sugeriu que o Brasil fosse o salão de festas do planeta. Assim como Portugal é a colônia de férias da Europa, Las Vegas e Macau concentram os cassinos e entretenimento noturno, Dubai é o destino kitsch-chic das classes deslumbradas pelo consumo espetacular, a Costa Rica e a Nova Zelândia esbanjam suas naturezas selvagens e a Europa é um grande museu artístico e gastronômico, o Brasil ficaria com as festividades especiais. Temos experiência nesse segmento: festas juninas, carnavais, carnavais fora de época, festas religiosas (procissões, quermesses, missas e cultos campais), festivais, feiras, grandes ajuntamentos públicos e privados, sacros e profanos, lúdicos e melodramáticos. 

Por isso que vivemos a hierofania do prazer, expressamos alegrias e devaneios populares e abrimos nossas farras e tradições para os visitantes do país e do mundo. Mostramos que, mesmo perdendo, mantemos certo bom humor (nem todos, é verdade, mas a maioria se aguenta) e sabemos como finalizar uma mega esbórnia com estilo. 


A Copa do Mundo de 2014 teve como campeão de hedonismo o nosso território físico e cultural, este país colorido, tépido e bem temperado por cores, sabores, odores e secreções de todas matizes e gostos. O tesão nacional venceu a fragmentada amargura dos reacionários políticos, dos fundamentalistas religiosos, dos chatos existenciais, dos mau amantes e mal amad@s. O mundo viu e curtiu uma sociedade dinâmica, louca e angustiada, mas que sabe urrar de prazer numa festa rica em generosidade, bom humor e sensações agradáveis. O tesão venceu a amargura. A Roma tropical, como diria Darcy Ribeiro, mostrou suas favelas, palácios, praças e ruas, campos e construções, belezas e problemas, sem medo de ser feliz e com uma hospitalidade exemplar.

Celebramos o prazer, mesmo com as lágrimas amargas das derrotas em campo. Exorcizamos nossos maus agouros com o saudável bálsamo da boa fé e da convicção de que vivemos na boa e dane-se o mundo, pois cada um tem seus problemas assim como temos nossas soluções. De vira-latas da década de 1950 nos tornamos fênix desvairadas de nossos sonhos e desejos. Teve a nossa Copa e, pelo menos nesse hiato de tempo e espaço, vivenciamos a experiência prazerosa de uma utopia realizada. No topo do pódio imaginário da festa universal curtimos a festa, com suas contradições, incoerências e paradoxos, pois a festa é algo mais complexo e desafiador que o nosso cotidiano programado pela ausência de intensidades gozosas. 

Do alto do pódio do hedonismo é que temos que nos perguntar pelo futuro. A festa boa é a que mais reúne gente, bichos e coisas legais. Por isso a última estrofe da música do Chico Buarque (Não existe pecado ao sul do Equador) celebra a saciedade. Para já.

“Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se esgota, me bota na mesa
Que a tua holandesa
Não pode esperar.”

Luiz Gonzaga Godoi Trigo

3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Parabéns pela matéria Trigo!!

Este é um dos motivos que sempre digo, que um dos melhores professores dos meus tempos de faculdade, foi você: Luiz Gonzaga Trigo.

Grande Abraço,

Carlos Roll

Oscarlinda disse...

Fiquei feliz e emocionada com seu texto, bem como com o evento em si. Ambos mexeram com o meu amor e sensibilidade patriótica.