sexta-feira, 14 de março de 2014

MH 370 – Reflexões sobre o desvanecimento




O insólito às vezes se instala em nossas cômodas vidas, até tediosas, inesperadamente e, em geral, de forma absurda e provocante. Sem avisos ou presságios funestos, a teia da normalidade cotidiana se esgarça e a fatalidade se instala em nossas telas e mentes. A dúvida instigante se apodera de nossos gadgets e fígados, já entupidos de bits mal produzidos e de excessivos nutrientes informacionais, inclusive a falta ou a falsidade das notícias sobre o que não sabemos ou não podemos comprovar. 

 
Como é possível um jato de 250 toneladas, com 239 passageiros, simplesmente desaparecer em uma madrugada qualquer, com bom tempo e em rota conhecida e mapeada? O que houve com o Boeing 777-200, voo MH370 da Malysia Airlines, que ia de Kuala Lumpur para Beijing e nunca chegou? O que incomoda, neste caso específico, não é uma queda ou explosão acidental, um atentado, um sequestro ou um ato de loucura dos pilotos ou de algum tarado que invadiu a cabine de comando. O desassossego se instala pela lacuna, pela ausência de informações sobre o que houve com o jato: onde ele está? Por que diabos a parafernália embarcada (GPS,  TCAS, caixa preta, ACARS, radares, ELT...) não enviou nenhum sinal eletrônico e se mantém em silêncio apesar das buscas? Teria o avião caído – ou explodido – tão longe de sua rota, tão repentinamente, que apenas restou o vazio nas telas perante tão insólita tragédia que nos mantém em suspense há mais de 150 horas, em plena era de vigilância eletrônica nos ares, mares, terras e espaços virtuais? 


 Isso não parece algo natural, muito menos sobrenatural. Isso tudo tem jeito e cheiro de histórias mal contadas por conta de interesses geopolíticos estratégicos que tentam acobertar o mal feito ou o engano, talvez o engodo, por trás de tantos atos e omissões mal explicadas. Os erros crassos ou abusivos precisam ser dissimulados ou distorcidos ante a aldeia global estarrecida pelas mentiras das fontes e fatos do universo midiático e político. 

Resta-nos a (in) certeza de estarmos frente a um evento raro e nefasto, uma tragédia inédita e ninguém – ou pouquíssimos – vislumbram suas causas e consequências. Talvez tenha sido mesmo uma falha catastrófica e acidental, um mero azar ou, quem sabe,  um erro imenso que governos autoritários (Malásia, Vietnã, China...) tentam escamotear e ganhar tempo para que a opinião pública mundial possa digerir ou, aos poucos, esquecer. 

Mas como se sentem os parentes, amigos e conhecidos das 239 histórias pessoais que se desvaneceram a bordo de uma das maravilhas tecnológicas contemporâneas?

Como explicar aos milhões de passageiros da imensa malha aérea internacional, que o improvável, o incógnito, o misterioso se enrosca nas teias aéreas e desafiam lógicas, bons sensos e sensores? Terá sido uma dessas fatalidades que o randômico universo ocasionalmente nos reserva para lembrar que somos partículas em uma galáxia desconhecida e perigosa? Ou será uma dessas artimanhas humanas que mesclam terror, espionagem ou puramente loucura? De qualquer modo, a segunda hipótese apenas complementa a primeira. 


Ás vezes, em um voo noturno, ligeiramente entorpecido pelo vinho e pelo stilnox, colo o nariz no plexiglas da aeronave, sobre algum oceano, a onze mil metros de altitude e deixo o olhar vagar perdido pelos abismos celestes e da minha imaginação. No tubo de alumínio pressurizado, climatizado, cercado de combustível líquido e turbinas incandescentes, penso em minha fagulha existencial suspensa entre as trevas primordiais e as luzes tecnológicas hodiernas. A imensa maioria dos voos, navios, trens, ônibus carros, chega aos seus destinos, mas a ausência anômala de algo nos recorda nossa efemeridade e fragilidade, perante a natureza ou a outros humanos. Culturas e técnicas, projetos e devaneios flutuam velozmente pela atmosfera rumo a um destino imaginado. Depois deslizo a cortina plástica e durmo enlevado pelo zumbido reconfortante das turbinas e dos sistemas de preservação de vida da aeronave. Acordo com as luzes anunciando a proximidade do destino e o cheiro de café fresco. Após o pouso esqueço isso tudo e saio do tubo para novos mundos e expectativas.  

Não tenho medo de voar, até adoro, apesar de alguns desconfortos logísticos aeroportuários. Porém, a cada noite passada a bordo, meus temores ancestrais se mesclam aos atuais enquanto perfuro a noite num míssil tripulado e habitado. As trevas são suportáveis graças ao tesão da viagem, da descoberta, da aventura e do prazer em ver ou rever o mundo e curtir os tempos que me foram dados.      


O próximo gole de vinho será em memória dos desaparecidos há quase uma semana. Hoje posso apenas expressar a solidariedade e orações aos que esperam notícias de suas pessoas queridas e deixadas, por um longo tempo, no incognoscível das coisas do século...

Luiz Gonzaga Godoi Trigo, 2014