sexta-feira, 12 de abril de 2013

Meus 54 anos de idade - uma reflexão




Gosto de refletir sobre a vida e algumas datas são apropriadas para isso, como o aniversário. Há 4 anos, fiz uma postagem neste blog com fotos e comentários sobre meus melhores momentos em meio século. Outras coisas boas aconteceram nesses quatro anos. Alguns anos ajudam a maturar pensamentos, sensações, memórias e interpretações sobre a vida. E também fazem pensar sobre a crescente proximidade da morte. 

Muitos não gostam que fale sobre a morte, mas nem por isso ela deixa de pairar sobre o fim de nossa existência. Tenho uma postura dúbia a respeito, já que não me acostumo plenamente com a ideia e tampouco deixo que isso estrague minha boa vida. Cansei de refletir sobre a morte quando estudei filosofia. Adorava Sartre (Caminhos da Liberdade, O ser e o nada), Simone de Beauvoir (Todos os homens são mortais) e textos literários com temas limite de autores como Thomas Mann, Hermann Broch, Cormac McCarthy, Borges, Marguerite Yourcenar, Philip Roth... 

O fato de ficar mais velho me faz confrontar essa realidade com mais propriedade, algo tipo pesquisa participativa. P. Roth, então, é absolutamente implacável com a velhice masculina (Um homem comum, Patrimônio). Sua análise envolve traços biográficos, pessoais e paternos, além de sua observação objetiva e desapiedada sobre a condição do ser humano idoso. 

Estou envelhecendo (aliás, estamos). Confesso que fiquei chocado quando, pela primeira vez, uma jovem se levantou e ofereceu seu assento no metrô. Antes que minha indignação transparecesse, racionalizei que era uma menina bem educada protagonizando uma deferência com alguém mais velho. Agradeci sorrindo e continuei em pé, refletindo que não dava para me iludir com a idade. A razão e o afeto se encontram nos paradoxos da existência. 

O ser humano se diferencia dos outros animais pela consciência de que é mortal e pela capacidade de rir. Alguns autores, como Georges Minois, pensam que uma coisa tem a ver com outra, como consolo dessa amarga tristeza. Concordo, portanto há que se viver com bom humor e de bem com a vida, sabendo ignorar o que nos aporrinha demais ou o que é mera tolice, seja a nossa ou a dos outros.

Para explicar melhor minha relação entre Eros e Tânatos (prazer e morte), remeto ao poema Rubayát, do persa Omar Khayan, escrito há uns mil anos. Esse poema marcou profundamente Borges, Amin Maalouf e muitos outros escritores. Há uma bela versão comentada em português, feita pela editora da Unesp. Para o sábio persa, a vida vale pelo prazer, pelo vinho e pelas boas sensações e sabedorias. O texto de Khayan articula o hedonismo grego clássico com o multifacetado hedonismo contemporâneo. Por exemplo:

Vamos gozar, Amor, cada breve Momento!
Logo seremos Pó, levado pelo Vento!
Pó jazendo no Pó, e sob o Pó da Tumba,
Sem Vinho, sem Cantor, sem Música ou lamento!

Sem mais interrogar o Humano e o Divino,
Às mãos do Vento errante entrega teu destino,
E teus dedos enlaça nas tranças do esbelto
Jovem que oferta o Vinho – e viva o desatino!

Não desperdices Tempo, discutindo em vão,
Ou em rixas que causem enorme tensão:
Melhor viver alegre, degustando a Uva
Madura, que amargar o fruto temporão.”

Entre experiências e reflexões, fatos e interpretações, percebo que amadureci por ter contato mais profundo com as nuances do mundo acadêmico, por saber coisas interessantes do mundo corporativo e da sociedade em geral. Por, durante décadas, me aprofundar nas questões conflitantes da sociedade e das pessoas, com seus sonhos, delírios, neuroses, carências e satisfações. 

Quanto ao meu trabalho na Universidade o que mais gosto é a possibilidade de aprender, me relacionar com os outros e ter sempre novos desafios. Estar com 54 anos e vislumbrar um horizonte profissional interessante e divertido (sim, é preciso trabalhar e se divertir) é fascinante. No meu caso, como funcionário público estadual (São Paulo), posso ficar na USP até os 70 anos de idade. Ou seja, tenho mais 16 anos, se a saúde (ou Deus) assim o permitir. Claro que posso me aposentar um pouco antes, dependerá de muitas condições. O importante é saber que existe um vasto e fértil campo a ser degustado durante os próximos anos. Há apenas dois anos sou professor titular, portanto a longa estrada do topo da carreira mal se iniciou.  

O que curto em plena maturidade? Ler meus livros por puro prazer de beber o saber, sem me preocupar exclusivamente em usá-los em outros textos de minha autoria, em aulas ou palestras. Claro que acabo usando, mas a finalidade principal é degustar voluptuosamente desses frutos maduros do conhecimento. Também curto as boas comidas e bebidas, além da nova dieta saudável com cereais, coisas integrais e frutas. Adoro cinema, caminhar, ver a natureza e as grandes cidades. Sou urbano, globalizado, complexo, contraditório, teimoso, paradoxal, bem humorado e gosto de dar risadas vendo as tolices, desmesuras e desvarios dos outros (assim como me divirto com minhas idiossincrasias, ou neuroses, se preferir).


Curto pessoas, situações, histórias, casos e conversas. Gosto de ver as novas gerações se admirando e aprendendo com o mundo, com as mesmas coisas que ainda me fazem soltar um “huauuu!” ou uma risada bem franca. 

Para mim as questões fundamentais são o gostar, o escolher e o agir com coragem e prudência. Tudo isso tem a ver com a vida que decidi levar no contexto das condições que me foram dadas. 

Tenho um lado místico, mas isso é algo que considero íntimo o suficiente para não ser comentado em público, como qualquer intimidade. Gosto de preservar alguns mistérios, receios e particularidades e ainda por cima há coisinhas que nem eu conheço sobre mim mesmo. Fora as que eu esqueci, sei lá por que.

Em suma: completei ontem 54 aninhos. É muito? É pouco? É apenas um número. Um pouco de tempo, no espaço. Faço o possível para continuar sendo o sujeito atuante dessa história, junto com algumas pessoas que me são caras e ajudam a minha ascese. Gente que enriquece essa história. Que me resta? A esperança e a vontade de viver os próximos anos.

Luiz Gonzaga Godoi Trigo  

3 comentários:

Ana Paula Spolon disse...

É isso.

Prof.Francisco Correia disse...

Meu bom e "velho" Prof.Trigo, dizem que a mente nunca envelhece ! A sua certamente que não, sempre buscando novos conhecimentos, viagens, prazeres, sabores e amigos.Grande abraço aqui de Teresina, que como você mesmo disse, "contemporaneidade" do Sol...

Luzia Neide Coriolano disse...


QUERIDO AMIGO TRIGO! PARABÉNS MAIS UMA VEZ. MUITO BOM CURTIR AMIGOS ESPECIAIS COMO VOCÊ. VOCÊ SERÁ SEMPRE ESSE GOROTO, FILÓSOFO, VIAJANTE, PESQUISADOR, AMIGO QUE NEM PRECISA TER IDADE, BASTA TER A AMIZADE QUE NOS OFERECE E AS FALAS E PRODUÇÕES QUE NOS ENCANTAM. PARABÉNS!
LUZIA NEIDE