segunda-feira, 30 de abril de 2012

Ronda - la ciudad soñada

Fotos e texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo

Há uma cidadezinha, na Espanha, que reúne o insólito da natureza e a soberba da cultura marginal em uma mescla perfeita: Ronda, la ciudad soñada. É minha última postagem da viagem, demorei porque essa cidade me sensibilizou de maneira especial. Senti aquele tesão existencial que rola quando a gente reconhece que algo nos surpreendeu. E gostamos. Então levei tempo para organizar e mostrar fotos como ...


... essa aqui. É o tajo, a fenda, o rego imenso de Ronda. O relevo físico se quebra de modo insólito nessa parte da serra, localizada a uns 80 km do Mediterrâneo, formando um abismo em torno às duas extremidades mais altas, onde foi edificada la ciudad de Ronda. Durante séculos ela foi encruzilhada e refúgio quase inexpugável de contrabandistas, bandidos, los bandoleros que formam o imaginário da marginalidade lúdico-rebelde tradicional de Espanã. Tem até o museu del Bandolero, com toda a parafernália decorativa e guerreira que essas gangues usavam nas montanhas e vales por onde iam assaltar e farrear. Os bandoleros posuem uma mística local, algo parecido ao Lampião e seus asseclas que aterrorizavam o nordeste brasileiro.


O melhor lugar para ficar em Ronda é no Parador. O prédio, totalmente restaurado e adaptado, era a antiga prefeitura.


Grandes boulevares foram construídos ao lado da franja do penhasco contínuo, para que percorramos o caminho entre o céu, o abismo e a terra.


Dos lados do abismo exterior, aberto às serras, a vista se larga na imensidão do mundo. À noite, essa imensidão desolada é uma mancha espessa de escuridão que paira além dos limites da cidade. Os caminhos terminam ante o vazio que, nas noites sem lua, nos recorda o caos de onde viemos e a dúvida em não saber aonde vamos.



Essa era a vista do apartamento onde fiquei no Parador. Uma varanda sobre o vazio, ao lado da ponte nova (do século XVIII) que une as duas partes da cidade.



A vista para o outro lado abrange o vale que se estende após a falha geológica e se esparrama até encontrar os outros contrafortes de outras serras.


É sentar ali ou debruçar-se sobre as velhas pedras dos muros e ficar olhando, abestado, para o mundo e o céu que nos protege da imensidão aniquiladora do universo (isso é Shakespeare...).


O coreto, visto de longe, em outro ponto de observação.


Um índio na praça central. Ali ao lado tem uma Plaza de Toros mas eu não fotografei porque sou contra touradas.

Mas deixo a homenagem a el toro. Esse chifrudo não tem nada de manso, ele ataca com vontade.


E no coreto à beira do penhasco, sob um sol brilhante de inverno e um céu azul intenso, ouvi as músicas melosas tocadas por esse casal de artistas callejeros, trazendo o romantismo e a brutalidade da Espanha histórica para a atmosfera inebriante das serras.


O Parador, solene pairando sobre el tajo. Muitos poetas e romancistas, artistas plásticos e músicos, passaram e continuam a ir à Ronda. A lista é imensa: Borges, Rilke, Garcia Lorca, Joyce, Hemingway, Fernando Villalon, Jose Benjamin e Jose Maria Penán. E escreveram a respeito:


"Pero en Ronda hay muchas calles que llegan a nosotros mismos.
El Tajo no tiene compromiso con los guias. 
Uno se asoma a él y puede encontrar en ell fondo miedo,
vaticinios,
oraciones 
o versos."

Jose Maria Pemán (1897-1981)


Os páteos, os jardins e as ruas, tudo se debruça nos penhascos.



De baixo da ponte há um museu e um corredor de pedras que nos leva ao centro da fenda.


Muito bem descrito pelo literato ibérico.


Ronda não é um lugar de badalação, de agitos ou noitadas animadas,. a não ser em época de suas festas locais. É um lugar para namorar, passar luas de mel, meditar, admirar, contemplar o mundo, refletir sobre a vida e deixar-se levar pelas ruas estreitas de blocos de pedra e pelos boulevares suspensos largos como nossos egos. Coma as laranjas, são doces e suculentas como um sonho erótico. Beba o vinho. Saboreie as carnes abrasadas por uma cultura bela, rude e bruta.



Um lugar para regressar, assim como muito poucos...


Nenhum comentário: