terça-feira, 6 de março de 2012

Soledad - uma viagem consigo mesmo

Às vezes, por obrigação profissional, viajo só, como dessa última vez que fiquei uma semana andando pela península ibérica antes do congresso. Já me acostumei, se bem que o ideal é estar em boa companhia, mas viajar sozinho proporciona momentos de reflexão e encontro consigo mesmo. Afinal, a viagem é algo que se faz para se descobrir mais e melhor, uma busca ao nosso interior, aos desvios e encruzilhadas que formam nossa história e nosso ser.  Nessa viagem fiz algumas fotos, movido pelo interesse em identificar pessoas ou situações de solidão, de encontro consigo em uma realidade muitas vezes hostil ou indiferente. Lembro de um livro antigo, Crônica da solidão, escrito pelo já falecido Padre Charbonneau, que viveu um tempo em São Paulo. Nele o autor mostra como a solidão pode ser uma amiga ou um amparo em nossos dias pelo mundo. Vamos às fotos. Em geral, as pessoas não percebiam que estavam sendo fotografadas, para assim capturar seus momentos íntimos sem perturbação ou pose.


Essa garota ficou horas, ao longo da tarde do domingo de carnaval, tocando violino no arco que sai na ponte romana de Córdoba, que atravessa o rio Guadalquivir. Para ganhar algumas moedas ela ficou sob o sol frio da tarde, sozinha, entoando canções, concentrada e serena, de vez em quando dando um sorriso para quem jogava uma moeda.


Essa garota escrevia (desenhava?) sentada junto às grades da catedral de Granada, em uma tarde de sol e ventos suaves. Compenetrada em suas anotações, ela descansava junto à uma das maravilhas góticas da Europa.


A menina estava no páteo das Laranjas, na Catedral-Mesquita de Córdoba, uma sublime junção das arquiteturas islâmica e gótica medieval. Ela enrolou calmamente um baseado e depois o fumou, sozinha. Ali o fumo é bastante tolerado, os guardas viram e ignoraram. Depois ela ficou curtindo a brisa no jardim, com seus pensamentos e sensações.



Las Alpujarras, uma série de povoados na Sierra Nevada,  que chega a três mil metros de altura, entre Granada e o mar Mediterrâneo. A última e mais alta vila é Trevelez, famosa por seu presunto serrano. Ali, esse senhor sentava-se solitário em um banco de madeira, numa minúscula praça, olhando distraído um artesanato qualquer. A região foi o último lugar onde os mouros viveram livremente depois que os reis católicos retomaram a Espanha do domínio muçulmano, no século XIII. Na solidão das montanhas em pleno inverno, o senhor descansa, provavelmente amparado em sua aposentadoria e confortado pela sua memória.


Um almoço, solitário e delicioso, em Ronda, uma outra serra perto de Sevilla e do mar. Sentei-me em uma mesa na calçada, não havia quase ninguém por ali, por ser inverno. Comi uma sopa de legumes com amêndoas raladas e um frango suculento e saboroso. A sobremesa foi uma laranja natural, suculenta e docinha, como as boas memórias.


Espelhos são um desafio para quem está só. Eles nos chamam a atenção e nos fazem, literalmente, refletir sobre nós e o mundo. Borges era obcecado por labirintos, tigres e espelhos. Essa foto foi no lobby de um novo hotel design em Lisboa, recentemente inaugurado.


Anjos são solitários. Vivendo no interstício entre a divindade e os seres humanos, não são nem um nem outro. No filme O céu sobre Berlin (ou Asas do desejo, 1987, direção de Win Wenders), os dois anjos vivem o desejo de sentir como humanos. Em seu universo etéreo, sentem uma angústia por não poderem experimentar o cheiro do café recém-passado, o sabor de uma carne assada, o toque do corpo excitado pelo outro. Sua solidão é transcendental ...


... pois são apenas uma ponte invisível e sutil entre Deus e a humanidade. O anjo de cima é da catedral de Sevilla e o de baixo está no mural na pequena igreja de Lagos, Algarve, Portugal. Andróginos, belos, enigmáticos, os anjos povoam nossa solidão com esperanças submersas em nossos desejos.


Invisíveis também são os mendigos em nossas ruas. Esses estão em uma escadaria de mármore em pleno centro de Lisboa, ao lado do Chiado e Rossio, em uma praça movimentada e vibrante. Mas eles estão à margem do mundo e da sociedade, em uma solidão profunda amargada pela indiferença dos outros ou pelo fato de terem perdido a materialidade que suporta a existência social.


Em uma igreja quase vazia, ali ao lado do Rossio, em Lisboa, esse senhor senta e medita ao pé da imagem do Beato João Paulo II. No outono de sua vida, ele se refugia em uma igreja para, talvez, se entregar à meditação, à reflexão em forma de oração.

O crepúsculo da vida é árduo e sentido. Philip Roth, o brilhante escritor norte-americano, mostra a velhice do homem no livro Everymen. Christopher Isherwood também mostra essa solidão da velhice masculina em A single man, transformado em filme (Direito de amar, 2009, direção de Tom Ford). 

A soledad, vivida na península ibérica, foi mais uma experiência de encontro comigo mesmo. Algo rico e profundo que me preparou para os deliciosos encontros humanos que se seguiram em Lisboa e em Aveiro. O importante é estar consigo ou com os outros, desde que se vivencie nossas vidas com a cristalina consciência de existir em um contexto, dado e construído, de acordo com nossos desejos e possibilidades ampliadas. 

2 comentários:

Fefê Geo disse...

Olá Trigo!
Achei fantástica a sua ideia sobre a viagem e a solidão!
Adorei sua aula e seu blog! Acredito que muita coisa será aproveitada!
Sou geógrafa e tenho uma amiga que geógrafa que tem um Blog que prioriza posts ligados à viagens.
Eu escrevo lá as vezes, dê uma olhada quando puder, tenho certeza que irá gostar, envio um post criado por mim em uma viagem que fiz ao Equador e Colômbia.
Abraços
Fernanda Lopes Sortanji
http://geoiarinha.blogspot.com/2011/07/viajando-pelo-equador-by-fe.html

Boca no trombone disse...

Vi essa garota quando lá estive no dia 24 de maio próximo. Muito bonita. E tocava maravilhosamente bem...