terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Como fazer reuniões desagradáveis (ou não)

Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo



Com a volta das atividades profissionais, voltam também as indefectíveis e arrastadas reuniões, seja nas empresas, governos, universidades, sindicatos, escolas em geral e em todo lugar onde há gente querendo se reunir para decidir algumas coisas e arcar outras reuniões. Então retomei um texto que publiquei uma vez no Hotelier News, ampliei-o e o coloco aqui, para mitigar nossas mazelas corporativas e profissionais.

Outro dia estava em uma dessas reuniões cuja finalidade é a gente se mostrar, bancar argumentos e conseguir atingir objetivos óbvios, enfim, uma reunião mais costumeira do que deveria ser em nossas organizações. Enquanto me chateava profundamente ouvindo coisas previsíveis, comecei a reparar no discurso das pessoas e a dividir os argumentos em algumas categorias, o que me ajudou a passar o tempo rabiscando sobre nossas mazelas lingüísticas e comportamentais.

Em linhas gerais, nas reuniões, há os discursos aproveitáveis (poucos) e os que ficam entre a inutilidade e o lixo execrável. Comecemos pelos ruins para terminarmos pelos bons, que merecem ser lembrados e exercidos.

Características dos discursos inúteis, desagradáveis ou safados:

Lugares comuns – É a vala comum da mediocridade. São preposições infantilizadas, estereotipadas, repetitivas e, portanto, chatíssimas para quem terminou pelo menos uma graduação. Denota falta de criatividade e de pensamentos próprios.   


Elogios gratuitos ou filisteísmo – Filisteu é o povo não semita, inimigo dos hebreus, do Antigo Testamento. Atualmente significa pessoa inculta cujos interesses são vulgares ou convencionais, uma pessoa sem inteligência ou imaginação. Um bom exemplo são os puxa-sacos descarados, muito à vontade no seu papel de capacho, bem limpinho, que protagonizam essa categoria.

Auto-elogios – É quando a conveniente bonomia se volta para si mesmo. Através de indiretas e raciocínios tortuosos a pessoa acaba por se vangloriar, aparentando humildade, mas deixa em público os rastros de sua pretensa magnanimidade e competência. Em geral esses auto-elogios trazem doses generosas de má-fé.

Auto e inter-referências – É uma mescla dos elogios aos outros com os elogios a si mesmo através da mediação de outras fontes: pessoas, textos, filmes, citações etc. Isso é também chamado de cabotinismo, ou seja, alguém presunçoso, vaidoso, afetado, que tenta atrair a atenção para si mesmo a qualquer preço. Já vi gente se auto-intitular “líder do grupo”, “exemplo de vida”, algo desnecessário e patético. Com a Internet é cada vez mais fácil se auto-vangloriar, mas tudo se dilui no volume da rede. Em uma reunião isso é tão sutil quanto um pinico de louça na cristaleira.

Lamúrias e lamentações – Uma reunião não é terapia de grupo ou sessão de auto-ajuda para tentar justificar as próprias mazelas pondo a culpa nos outros, na organização, no governo ou nos alienígenas. Se houver carências (sempre há) seja direto e sugira alguma medida razoável para resolver ou melhorar a situação. É contraproducente se justificar através dos problemas alheios além de demonstrar ressentimento e pouca estabilidade emocional.


Emocionalismo enfadonho – Na falta de sólidos argumentos e fatos comprovados, as lamúrias se aprofundam rumo à irracionalidade, ao saudosismo, aos questionamentos emocionais calcados num sentimentalismo rudimentar. É uma categoria diretamente relacionada às lamúrias.

Adjetivos exuberantes – Os termos mais comuns geralmente são: intensamente, extremamente, muito grande, muito consistente, postura pró-ativa, contextualizador e por aí vai. Esses adjetivos ou expressões são acompanhados por uma voz emocionada, postura corporal sofrida tentando demonstrar o esforço que a pessoa faz – ou pensa que faz, ou quer enganar que faz – para exercer suas tarefas e comprovar seus feitos, sempre os mais elevados e árduos.

Enrolação – Isso é tergiversar, ou seja, usar evasivas ou subterfúgios, procurar desculpas. Ou ainda usar velhos argumentos ou textos, amplamente conhecidos por todos, para ganhar tempo, espaço e importância na reunião ou através dessas manobras, fugir do assunto principal.


Relativizar para neutralizar – “Se temos problemas os outros também os tem, e piores que os nossos”. Ou então, “A baixa produtividade de nossa empresa faz-se no contexto da crise internacional e considerando suas conseqüências, nosso desempenho nem foi tão ruim assim...”  É algo como um erro justificando o outro, não cola.


Mas nem só de bobagens, de ressentimentos ou de má-fé vive o mundo do trabalho. Nas reuniões também ocorrem momentos de lucidez e dignidade discursiva.


Característica dos discursos produtivos e bem fundamentados

Objetividade – Direto ao ponto, sem rodeios, desculpas ou enrolação. As equipes mais eficientes e eficazes não falam desnecessariamente, mas usam seu tempo para preparar reuniões objetivas e poderem discutir suas táticas e estratégias visando ação. Ram Charan denomina essas qualidades de poder de “execução”, título de seu livro a respeito.

Brevidade -  Diz a lenda que o finado Mário Covas foi a um evento contra a vontade porque tinha outros compromissos, mas prometeram uma cerimônia rápida. Um político menor, que falou antes dele, se estendeu muito mais do que o combinado. Na sua vez o governador pegou o microfone e disse: “Há dois tipos de discurso, os longos e os bons. Declaro inaugurada a obra, obrigado”. Uma boa reunião é uma reunião rápida, que cumpra a agenda e traga bons resultados.



Discurso lógico e articulado – Argumentos baseados em fatos, dados e informações expostos com um método simples (introdução, desenvolvimento, referências e conclusão) e articulado com outros argumentos relacionados e que se complementam.

Exemplos e fatos relacionados – É a lógica, a coerência e a fundamentação da reunião. Os conceitos, idéias, fatos e exemplos surgem numa ordem que facilite a compreensão dos assuntos tratados, possibilita que as referências dadas sejam posteriormente comprovadas através das fontes bem explicitadas e que tudo garanta uma organicidade à pauta tratada e às decisões tomadas.

Clareza nos argumentos – Aí entra a logística. Uma boa reunião é preparada antecipadamente com documentos (digitais ou impressos) distribuídos a todos(as) para que o encaminhamento seja ágil, racionalizado e eficiente.

Humor na medida certa – Sem cair no relaxo total ou no cinismo deslavado, pitadas de humor são importantes para quebrar o formalismo e especialmente arrasar os emocionalismos, cabotinismos e outras mazelas já relacionadas. Nada como o humor para expor a má-fé, para expurgar ressentimentos, para ridicularizar os pretenciosos e convencer os inteligentes. Conheci um diretor de empresas que era autoritário e centralizador, porém muito correto com as pessoas e as reuniões eram quase uma stand up comedy protagonizada por ele, se bem que às vezes a coisa desandava  mas, no geral, as reuniões garantiam ótimas risadas e comentários espirituosos.


Bom senso – Isso evita muitos aborrecimentos, atrasos e confusões desnecessárias. Algumas pessoas atingem mais facilmente sua compreensão; outras, demoram para entender que o bom senso facilita a vida do grupo; e outras, infelizmente, serão sempre carentes dessa qualidade relativamente rara em nossas organizações.

Tenham ótimas reuniões, se conseguirem.



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