terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Como fazer reuniões desagradáveis (ou não)

Texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo



Com a volta das atividades profissionais, voltam também as indefectíveis e arrastadas reuniões, seja nas empresas, governos, universidades, sindicatos, escolas em geral e em todo lugar onde há gente querendo se reunir para decidir algumas coisas e arcar outras reuniões. Então retomei um texto que publiquei uma vez no Hotelier News, ampliei-o e o coloco aqui, para mitigar nossas mazelas corporativas e profissionais.

Outro dia estava em uma dessas reuniões cuja finalidade é a gente se mostrar, bancar argumentos e conseguir atingir objetivos óbvios, enfim, uma reunião mais costumeira do que deveria ser em nossas organizações. Enquanto me chateava profundamente ouvindo coisas previsíveis, comecei a reparar no discurso das pessoas e a dividir os argumentos em algumas categorias, o que me ajudou a passar o tempo rabiscando sobre nossas mazelas lingüísticas e comportamentais.

Em linhas gerais, nas reuniões, há os discursos aproveitáveis (poucos) e os que ficam entre a inutilidade e o lixo execrável. Comecemos pelos ruins para terminarmos pelos bons, que merecem ser lembrados e exercidos.

Características dos discursos inúteis, desagradáveis ou safados:

Lugares comuns – É a vala comum da mediocridade. São preposições infantilizadas, estereotipadas, repetitivas e, portanto, chatíssimas para quem terminou pelo menos uma graduação. Denota falta de criatividade e de pensamentos próprios.   


Elogios gratuitos ou filisteísmo – Filisteu é o povo não semita, inimigo dos hebreus, do Antigo Testamento. Atualmente significa pessoa inculta cujos interesses são vulgares ou convencionais, uma pessoa sem inteligência ou imaginação. Um bom exemplo são os puxa-sacos descarados, muito à vontade no seu papel de capacho, bem limpinho, que protagonizam essa categoria.

Auto-elogios – É quando a conveniente bonomia se volta para si mesmo. Através de indiretas e raciocínios tortuosos a pessoa acaba por se vangloriar, aparentando humildade, mas deixa em público os rastros de sua pretensa magnanimidade e competência. Em geral esses auto-elogios trazem doses generosas de má-fé.

Auto e inter-referências – É uma mescla dos elogios aos outros com os elogios a si mesmo através da mediação de outras fontes: pessoas, textos, filmes, citações etc. Isso é também chamado de cabotinismo, ou seja, alguém presunçoso, vaidoso, afetado, que tenta atrair a atenção para si mesmo a qualquer preço. Já vi gente se auto-intitular “líder do grupo”, “exemplo de vida”, algo desnecessário e patético. Com a Internet é cada vez mais fácil se auto-vangloriar, mas tudo se dilui no volume da rede. Em uma reunião isso é tão sutil quanto um pinico de louça na cristaleira.

Lamúrias e lamentações – Uma reunião não é terapia de grupo ou sessão de auto-ajuda para tentar justificar as próprias mazelas pondo a culpa nos outros, na organização, no governo ou nos alienígenas. Se houver carências (sempre há) seja direto e sugira alguma medida razoável para resolver ou melhorar a situação. É contraproducente se justificar através dos problemas alheios além de demonstrar ressentimento e pouca estabilidade emocional.


Emocionalismo enfadonho – Na falta de sólidos argumentos e fatos comprovados, as lamúrias se aprofundam rumo à irracionalidade, ao saudosismo, aos questionamentos emocionais calcados num sentimentalismo rudimentar. É uma categoria diretamente relacionada às lamúrias.

Adjetivos exuberantes – Os termos mais comuns geralmente são: intensamente, extremamente, muito grande, muito consistente, postura pró-ativa, contextualizador e por aí vai. Esses adjetivos ou expressões são acompanhados por uma voz emocionada, postura corporal sofrida tentando demonstrar o esforço que a pessoa faz – ou pensa que faz, ou quer enganar que faz – para exercer suas tarefas e comprovar seus feitos, sempre os mais elevados e árduos.

Enrolação – Isso é tergiversar, ou seja, usar evasivas ou subterfúgios, procurar desculpas. Ou ainda usar velhos argumentos ou textos, amplamente conhecidos por todos, para ganhar tempo, espaço e importância na reunião ou através dessas manobras, fugir do assunto principal.


Relativizar para neutralizar – “Se temos problemas os outros também os tem, e piores que os nossos”. Ou então, “A baixa produtividade de nossa empresa faz-se no contexto da crise internacional e considerando suas conseqüências, nosso desempenho nem foi tão ruim assim...”  É algo como um erro justificando o outro, não cola.


Mas nem só de bobagens, de ressentimentos ou de má-fé vive o mundo do trabalho. Nas reuniões também ocorrem momentos de lucidez e dignidade discursiva.


Característica dos discursos produtivos e bem fundamentados

Objetividade – Direto ao ponto, sem rodeios, desculpas ou enrolação. As equipes mais eficientes e eficazes não falam desnecessariamente, mas usam seu tempo para preparar reuniões objetivas e poderem discutir suas táticas e estratégias visando ação. Ram Charan denomina essas qualidades de poder de “execução”, título de seu livro a respeito.

Brevidade -  Diz a lenda que o finado Mário Covas foi a um evento contra a vontade porque tinha outros compromissos, mas prometeram uma cerimônia rápida. Um político menor, que falou antes dele, se estendeu muito mais do que o combinado. Na sua vez o governador pegou o microfone e disse: “Há dois tipos de discurso, os longos e os bons. Declaro inaugurada a obra, obrigado”. Uma boa reunião é uma reunião rápida, que cumpra a agenda e traga bons resultados.



Discurso lógico e articulado – Argumentos baseados em fatos, dados e informações expostos com um método simples (introdução, desenvolvimento, referências e conclusão) e articulado com outros argumentos relacionados e que se complementam.

Exemplos e fatos relacionados – É a lógica, a coerência e a fundamentação da reunião. Os conceitos, idéias, fatos e exemplos surgem numa ordem que facilite a compreensão dos assuntos tratados, possibilita que as referências dadas sejam posteriormente comprovadas através das fontes bem explicitadas e que tudo garanta uma organicidade à pauta tratada e às decisões tomadas.

Clareza nos argumentos – Aí entra a logística. Uma boa reunião é preparada antecipadamente com documentos (digitais ou impressos) distribuídos a todos(as) para que o encaminhamento seja ágil, racionalizado e eficiente.

Humor na medida certa – Sem cair no relaxo total ou no cinismo deslavado, pitadas de humor são importantes para quebrar o formalismo e especialmente arrasar os emocionalismos, cabotinismos e outras mazelas já relacionadas. Nada como o humor para expor a má-fé, para expurgar ressentimentos, para ridicularizar os pretenciosos e convencer os inteligentes. Conheci um diretor de empresas que era autoritário e centralizador, porém muito correto com as pessoas e as reuniões eram quase uma stand up comedy protagonizada por ele, se bem que às vezes a coisa desandava  mas, no geral, as reuniões garantiam ótimas risadas e comentários espirituosos.


Bom senso – Isso evita muitos aborrecimentos, atrasos e confusões desnecessárias. Algumas pessoas atingem mais facilmente sua compreensão; outras, demoram para entender que o bom senso facilita a vida do grupo; e outras, infelizmente, serão sempre carentes dessa qualidade relativamente rara em nossas organizações.

Tenham ótimas reuniões, se conseguirem.



sábado, 28 de janeiro de 2012

Marinhas e atmosferas brasileiras

Fotos e texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo
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Minha viagem com o Costa Pacifica, no Natal de 2011, foi tranquila e o comandante não quis fazer gracinhas estúpidas, portanto navegou por onde o barco de 107 mil toneladas cabia e passava, o que é algo para se louvar haja vista os últimos acontecimentos no Mediterrâneo. Uma das belezas que os barcos proporcionam é a visão dos céus e do oceano em toda sua amplitude, especialmente quando as nuvens brincam com a luz do sol lançando sombras, cores e brilhos na atmosfera e nas águas...


A saída do canal de Santos já antecipa os próximos dias. Esse foi o crepúsculo do primeiro dia de navegação.


Estranhas estruturas flutuam (emergem?) do azul do mar.


Mas são os céus que preparam cenas espetaculares ...


... como essa hierofania celestial num entardecer, longe da costa capixaba.


Nuvens densas prontas para despejar sua carga pluvial sobre gruas e depósitos nas cercanias de Niterói.



Contrastes são mais intensos em dias nublados que em dias de sol puro e céu azul, são belezas diferentes.


Uma cordilheira nebulosa sobre a ponte Rio-Niterói.


Uma sombra luminosa paira...


... e se estende no longo crepúsculo dominado pela contemplação de nossos olhos mortais, perante a beleza da imensidão do planeta.


A melancolia estética e existencial do sol se deitando em cenários deslumbrantes...


... continua, no dia seguinte, com a alvorada dionisíaca sobre as antigas casas de Salvador, no topo das encostas que cercam o porto e os bairros baixos da cidade.


No topo dessa ilha lúdica e festiva, resta olhar o mundo e, antes do anoitecer, descer para as entranhas do barco e se entregar a outros prazeres sensoriais que a tecnologia e a cultura nos oferecem.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

“Regulamentação” do turismólogo – enganos e engodos



Pós-escrito.: Manterei todos os comentários do post para que vocês possam avaliar o nível e qualidade do debate. 

Hoje pela manhã fui acordado com a notícia que a lei sobre a regulamentação do exercício da profissão de Turismólogo tinha sido aprovada. Comecei a ficar contente, mas perguntei se tinha sido com vetos. Positivo. Fui para a Internet e li a Lei  nº 12.591, sancionada pela Presidenta da República. Vi que, muito corretamente, ela vetou os artigos 1, 3, 4 e 5 do projeto com base na lei maior do país: Razão dos vetos -  “A Constituição, em seu art. 5o, inciso XIII, assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, cabendo a imposição de restrições apenas quando houver a possibilidade de ocorrer algum dano à sociedade.”

Em suma, a montanha pariu um carrapato.

Na verdade o que ocorreu foi, paradoxalmente, uma completa desregulamentação da área onde agora qualquer um pode entrar, mesmo sem qualquer tipo de diploma (técnico, tecnólogo ou bacharel). Do projeto de lei original, ficou apenas o artigo 2, que é uma descrição de dezoito atividades que o turismólogo pode realizar. Mas, quem é o turismólogo? Todo mundo pode ser. Todo mundo o é. Na seqüência, no Diário Oficial de hoje, há uma outra lei aprovada, de número 12.592, que regulamenta, da mesma forma liberal, cabeleireiros, barbeiros, esteticistas, manicures, pedicures, depiladores e maquiadores. Todo mundo pode ser e fazer como bem entender essas atividades desde que “obedeçam às normas sanitárias, efetuando a esterilização de materiais e utensílios utilizados no atendimento aos seus clientes.” Isso significa que eu, você e todo mundo pode ser barbeiro, pedicure etc. E turismólogo também.

Algumas tímidas manifestações de louvor ocorreram na Internet, mas a maioria das pessoas logo percebeu o engano e o engodo.

O engano foi simplesmente o erro sistemático de avaliação, por parte de alguns, em insistir em algo que é arcaico, inútil e que não resolverá os nossos problemas que é a regulamentação de uma série de profissões ligadas a viagens e turismo que, por natureza, são múltiplas, complexas e sofisticadas, logo impossíveis de serem regulamentadas. Cansei de falar e escrever que o mito da regulamentação é uma volta a um passado que já morreu e não existe mais. É uma panacéia. Aí entra o engodo. Engodo é pior que engano. A gente pode se enganar, pois somos falíveis e limitados. Mas engodo é um artifício, um chamariz para atrair o outro e levá-lo ao erro. É ludibriar, armar uma cilada, valer-se de argumentos falaciosos visando benefícios – reais ou imaginários – em benefício próprio, ou para afirmar uma posição qualquer.

O problema é que os profundos motivos que trazem problemas à área de turismo não são devidamente criticados e não se organizam movimentos para denunciar as mazelas. Por exemplo:

  1. Pouca gente foi a público denunciar os desmandos do Ministério do Turismo que levou à saída do ministro, em 2011;
  2. Muitas faculdades e universidades privadas estão demitindo docentes com mestrado e/ou doutorado (não só em turismo, mas em todas as áreas) e ninguém fala nada a respeito, há um manto de silêncio sobre a questão enquanto muitos de nossos colegas titulados vão sendo demitidos e alijados do ensino superior;
  3. Poucos entendem a dinâmica e velocidade do mercado atual, onde consolidações, fusões, parcerias e novos contratos são sistematicamente criados transformando estruturalmente o setor e criando novas oportunidades e novos problemas;
  4. Poucos também entenderam que o universo dos cursos superiores de turismo diminuiu drasticamente no setor privado, com o fechamento de centenas de cursos por todo o país. Basta lembrar quantos cursos existiam na sua região e quantos existem agora;
  5. O setor de serviços ligados ao prazer, no qual o turismo se insere, hoje em muito mais vasto e engloba profissionais preparados em cursos de educação física, gastronomia, eventos, recreação, lazer, hotelaria, administração, ciências biológicas, arquitetura, urbanismo, geografia, políticas públicas etc.
  6. Continua a existir um campo propício aos profissionais em viagens e turismo, porém o mercado, nacional e internacional, ficou mais competitivo e exigente, demandando habilidades e conhecimentos, específicos e gerais, que muitos cursos (técnicos ou superiores) não podem garantir porque são de péssima qualidade, os professores são despreparados, os alunos(as) não estudam e há um relaxo completo no que se refere à uma formação profissional sólida e consistente;
  7. Os novos segmentos, tecnologias, nichos e crises cíclicas constantemente inovam e transformam o setor, exigindo profissionais que entendam as mudanças e estejam sempre prontos a se re-inventarem;

Por outro lado, os novos profissionais, egressos dos bons cursos técnicos ou superiores, em geral conseguem se inserir na sociedade e no mercado, seja como empreendedores ou profissionais, no setor público, privado ou no terceiro setor. Para isso não é necessário regulamentação, especialmente quando a Constituição deixa bem claro que há o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão desde que não haja risco eminente de dano à sociedade.

As profissões ligadas a turismo não são regulamentadas em nenhum país do mundo e nem no Brasil. O caso do Guia de Turismo, por exemplo, é outro engodo. Confira no site:


Esse site  é da Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego. Aí estão descritas 63 profissões regulamentadas, mas não está o Guia de Turismo. Por que? Ainda não foi devidamente regulamentado por decretos, e nem o será, e o mesmo acontecerá com o turismólogo. Os decretos não podem passar por cima da lei ou da Constituição, portanto o que poderá haver é mais discussão – e engodo – para que as pessoas de boa fé acreditem que um dia, no futuro, as lacunas da lei possam ser supridas. Não serão, porque não podem alterar o contexto jurídico-político do país, da sociedade e o principal, do mundo do trabalho. Apesar dos preconceitos de alguns e dos desmandos feitos pelo próprio mercado, não se pode ignorar sua força e características e esse mercado é, no geral, desregulamentado e aberto.

Essas falsas expectativas regulatórias, geradas mais por impulsos emocionais do que por argumentos racionais, geram frustração sem necessidade e expõe nossa área a um desgaste nefasto e comprometedor. Não podemos ser irresponsáveis ou levianos quando se trata de articular o presente e o futuro de uma área profissional, mas temos obrigação de aprender com a história e discernir as tendências e cenários presentes e futuros.

Graduei-me no curso técnico de turismo, em 1977, pelo Senac Campinas; no Bacharel em Turismo em 1983, pela PUC-Campinas; em 1996, fui o primeiro Bacharel em Turismo a participar da Comissão de Especialistas em Administração, na Câmara de Educação Superior do Ministério de Educação, representando a área de Turismo (indicado pela ABBTUR Nacional, na gestão de Sérgio Martins) e acompanhei o crescimento dos cursos superiores; depois participei das Comissões de Especialistas em Turismo, também no MTur; fui por dez anos do Senac São Paulo, coordenando as áreas de turismo e hospitalidade; fiquei vinte anos na PUC-Campinas, como docente; estou na USP (EACH) desde 2005, onde sou o primeiro turismólogo a chegar ao cargo de professor titular. Ao longo desses anos tenho estudado e acompanhado os avanços e retrocessos de nossa área, seja no setor público, privado ou no terceiro setor. Vejo, portanto, com otimismo nosso futuro, pois a sociedade e o mercado, esse vasto mundo do trabalho, precisam de profissionais qualificados e bem preparados, especialmente com o crescimento econômico do Brasil e os mega-eventos chegando em 2014 e 2016, sem contar as outras dezenas de encontros e atividades que já estão agendados para os próximos anos.

Fico triste ao ver a que chegamos com base na teimosia de alguns poucos, pois nossos jovens não precisam de promessas fáceis, de artimanhas edulcoradas como a vã e arcaica promessa da regulamentação de uma profissão que jamais se concretizará, nem em turismo e nem em outras dezenas de atividades que surgem pelo mundo. Nossos jovens estudantes e profissionais precisam de diretrizes sólidas, de políticas públicas e privadas conseqüentes e alicerçadas na ética, na competência e na qualidade e excelência de seus serviços. Precisamos de reflexão crítica, de pesquisas sérias e bem estruturadas, de cursos exigentes oferecidos por instituições capazes e que acreditem em uma educação eficaz, oferecida por educadores que associem liberdade à competência, cooperação à competitividade, vontade à responsabilidade. Várias instituições de ensino superior privadas hoje trabalham com meras apostilas, descuidam das bibliotecas, tratam os professores como empregadinhos de conveniência, demitem os docentes titulados e implantam um regime de terror nas escolas. Quanto aos alunos, os promovem desde que as mensalidades estejam pagas e há um pacto de silêncio sobre essa situação de oportunismo e mediocridade. É evidente que os professores não podem falar, sob pena de serem demitidos, mas quem toma a frente para denunciar esses abusos que são a verdadeira erosão de nossa sociedade e de nossa profissão? 

As dificuldades em nossa área não são exclusivas. Acompanho os novos cursos da EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP) e vejo os colegas da Gestão de políticas Públicas, Gerontologia, Obstetrícia e outros cursos novos lutarem por seus espaços e reconhecimento profissional. É disso que precisamos, de reconhecimento por parte da sociedade e do mercado e não de uma “regulamentação” falsa e meramente formal, dada a contragosto, de maneira inócua, estéril. Não precisamos disso, nosso reconhecimento social e profissional, político e cultural, se dará somente pelos esforços comuns em busca da excelência e da seriedade profissional, Com ética, fundamentos conceituais e metodológicos sólidos, com visão clara e inovadora do presente e do futuro.

Se almejamos um turismo respeitado neste país, temos que lutar pela qualidade técnica e holística de nossos estudantes e profissionais, em todos os setores da sociedade. Temos que desenvolver suas habilidades e competências, exercitar sua consciência e criticidade, enxergar os verdadeiros desafios e os caminhos férteis do futuro e abandonar as trilhas estéreis de um passado distante. Há uma guerra a fazer, e nós a faremos. Por um turismo aberto, dinâmico, inovador e com suas sementes plantadas no futuro de nossos sonhos e nas imensas possibilidades, sempre ampliadas.

Turismólogos, à luta, não contra os moinhos de vento da ilusão, mas a favor de nossas vontades e desejos, do história que estamos construindo e do futuro que nos aguarda, com estudo, trabalho e dedicação.


Luiz Gonzaga Godoi Trigo
Turismólogo
Professor titular da EACH-USP


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Costa Concordia e uma pedra no caminho

Fotos: Luiz G.G. Trigo, a bordo do Costa Serena (gêmeo do Costa Concordia), em janeiro de 2011.




“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.”

Carlos Drummond de Andrade

Não sei se Francesco Schettino, o comandante do Costa Concórdia, conhecia a poesia de Drummond, mas o imagino, em sua cela na prisão, pensando em seu luxuoso camarote de comandante daquela imensa nave, com bebidas à sua escolha, conforto, status, boas comidas e talvez mulheres se oferecendo à autoridade máxima do barco. A realidade agora é outra: desolação, abandono, a prisão e uma dúvida sobre seu futuro – claro que a carreira está arruinada – em virtude das pessoas ainda desaparecidas e da iminência de um desastre ambiental na ilha de Giglio, um parque marinho italiano protegido. Se os desaparecidos surgirem como cadáveres submersos nos destroços e o mau tempo destruir o navio poluindo aquela nobre parte do Mediterrâneo, sua situação, já muito delicada, poderá piorar.

Além dos seis mortos confirmados e do impacto negativo nos cruzeiros no Mediterrâneo, os prejuízos diretos somam mais de 90 milhões de dólares (sem contar os custos adicionais ainda não avaliados) e as ações da companhia caíram 16,5% na bolsa de Londres (em 16/01/12). A Organização Marítima Internacional (OMI) declarou que vai tirar as lições necessárias do naufrágio do navio "Costa Concordia" e, em caso de necessidade, modificará a diretriz de segurança para os cruzeiros, informou o secretário-geral Koji Sekimizu, em um comunicado difundido em Londres.

Grupos ambientalistas vêm pedindo há anos que os grandes navios sejam proibidos de se aproximar do arquipélago da Toscana, formado pelas ilhas de Giglio, Montecristo, Pianosa, Elba, Capraia e Gorgona. "Essas monstruosas cidades flutuantes poluem o cenário com a sua presença e os rios, mares e cidades onde param com os dejetos que produzem", afirmou a presidente nacional do grupo de conservação italiano Italia Nostra, Alessandra Motola Molfino. "O desastre do Costa Concordia infelizmente prova a insustentabilidade do tipo de turismo que explora e maltrata a beleza e o patrimônio cultural da Itália e não produz nenhum crescimento nem bem-estar", afirmou ela à agência Reuters.
Tudo isso foi motivado por um único homem, o comandante do Costa Concordia, que, segundo primeiras informações da imprensa, teria desviado o navio de 114 mil toneladas de seu curso normal para homenagear o chefe dos garçons e um ex-comandante que são da ilha de Giglio, passando perigosamente perto do litoral e encontrando as rochas fatais que levou o barco ao desastre e sua vida ao inferno.
O que leva um executivo, comandante de uma nave que vale centenas de milhões de dólares, com mais de 4.200 pessoas a bordo, a negligenciar tão irresponsavelmente sua tarefa que consiste simplesmente em levar o barco de porto em porto em segurança e preferencialmente nos horários previstos no roteiro do cruzeiro? Será a cultura local, que preza homenagens arcaicas, razoáveis no passado, com barcos pequenos e facilmente manobráveis, mas absurdas ante o tamanho dos navios atuais? Certamente foi o excesso de confiança do comandante, ou a hybris, a loucura grega, que cega os homens ante suas ambições e desejos mais egoístas. A figura dos comandantes de um navio ou de uma aeronave, assim como os poderosos executivos das corporações, muitas vezes é endeusada e blindada contra críticas ou erros potenciais. Platão já afirmava que pilotos, médicos e políticos estão sujeitos a erros de compreensão que podem levar seus projetos ao desastre. Nas últimas décadas, vários executivos financeiros causaram prejuízos bilionários – por erro, má-fé ou ganância – às suas instituições. A história dos desastres aéreos está coalhada de erros humanos, muitas vezes provocados pela arrogância ou presunção de seus pilotos. O próprio naufrágio do Titanic, que completa um século neste ano, foi provocado pela negligência do comandante que não acreditou no boletim meteorológico que previa icebergs um pouco mais ao sul, preocupado em não se desviar da rota mais curta para quebrar um recorde de velocidade entre Southampton e New York.
A Costa é parte da World´s Leading Cruise Lines, conglomerado que reúne companhias de cruzeiros marítimos como a Costa (15 navios, com o Concordia), Carnival (24 navios), Holland América (15 navios), Cunard (apenas três navios, mas são  o Queen Mary 2, Queen Elizabeth e o Queen Victoria) o , Princess (18 navios) e a sofisticada Seabourn (seis navios). O acidente afetará não apenas a Costa, mas o mercado em geral de cruzeiros marítimos, pois esse importante segmento do turismo global cresceu poderosamente nas últimas duas décadas e possui inimigos como os resorts e alguns ambientalistas. A rematada estupidez do comandante Schettino foi uma pedra rombuda na proa do setor de cruzeiros, mas poderá servir para garantir uma maior disciplina a bordo, especialmente nas carreiras top, muitas vezes liberadas de proibições que afetam as hierarquias inferiores. Servirá também para que os regulamentos sobre questões ambientais, direitos sociais dos tripulantes, respeito às culturas locais e responsabilidade social sejam um pouco mais respeitados, haja vista a necessidade de aplacar a opinião pública depois dessa catástrofe administrativa protagonizada pelo comandante de um dos seus maiores e famosos navios.
Assim caminha a humanidade, tentando superar os seus erros e limitações. Besteiras acontecem sempre e em todo o lugar, mas a grande lição é que podemos evitá-las se controlarmos nossos apegos, delírios e neuroses e seguirmos algumas diretrizes que existem justamente para evitar que pisemos em nós mesmos, ao fim de nossos atos insanos, movidos pelo orgulho ou pela arrogância/insegurança que nos assola nas madrugadas insones. Lembro que a NASA, a agência espacial norte-americana, explodiu 40 % (quarenta por cento!) de sua frota de Space Shuttles (eram cinco: Enterprise, Columbia, Challenger, Endeavour e Atlantis; sendo que Challenger explodiu no lançamento, em 1986, e Columbia desintegrou-se na re-entrada da atmosfera, em 2003), sempre com erros que poderiam ser evitados com mais pesquisa e atenção aos detalhes. 
Do trânsito cotidiano ao espaço, passando pelos mares e ares, nossos desastres humanos nos espreitam. Basta um instante de cegueira situacional ou de prepotência existencial para nos precipitar no caos e no desastre. Muita atenção com as pedras da vida...

Para ter uma ideia de como era o Costa Concordia, abaixo algumas fotos que tirei a bordo do Costa Serena (navio gêmeo, com decoração diferente), em um cruzeiro à Bahia, em janeiro de 2011.


Área do Spa de bordo. Exclusiva e muito bem estruturada.


O auditório onde acontecem os shows e espetáculos.


Alguns restaurantes possuem amplas janelas para o mar.


São quase 300 metros de comprimento...


... e uma altura imponente.


Essa foto foi tirada em Salvador, no último deck do navio (13). Veja como ele é mais alto que os prédios, lembrando que parte do barco está submersa.


O estaleiro italiano que constrói os mega-ships. Porém, de nada vale a engenharia e a tecnologia contra a estupidez humana.

domingo, 15 de janeiro de 2012

São Paulo saturday rainbow


Estava eu à tarde, lendo na rede, sentindo a chuva cair sobre a cidade quando, de repente, os céus e o sol articularam uma conspiração estética espetacular.


Começou mansamente, com um traço colorido fugidio riscando os céus, em uma geometria perfeita.


Luzes e cores, sombras e brilhos se derramando por sobre a cidade.


Um céu dividido...


Uma terra coberta por marcas celestes.


Um pote de ouro escondido nos corações das pessoas...


... e refletido em seus olhos. Em dose dupla.


Uma urbe coberta por uma cúpula mais que real ou virtual, uma cobertura literalmente iridescente.


E assim a tarde de sábado transformou-se lentamente em noite, não sem antes deixar bem clara e colorida ...


... a atmosfera paulistana e arrancar suspiros daqueles que se atrevem a olhar para os céus.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Rio, visto do mar

Fotos e texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo
Para ampliar as fotos basta clicar sobre elas.

A chegada ao Rio de Janeiro pode ser espetacular, desde que seja por ar (especialmente no aeroporto Santos Dumont) ou pelo mar. Pela Via Dutra é um horror, mas deixa prá lá.


No Natal, fiz um cruzeiro a bordo do Costa Pacifica e no dia 24 de dezembro ele aproximou-se do Rio às 06h30. Como estava em uma cabine com varanda, deixei as cortinas abertas e a alvorada me despertou para uma das paisagens mais belas do planeta. Dessa vez consegui acordar cedo e tirar as fotos da ...


... aproximação marítima da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, um desbunde natural global. A montanha plana, mais alta, é a Pedra da Lage (880 m. de altura).



Essa é a praia de São Conrado e o prédio cilíndrico mais alto é o antigo Hotel Nacional, um projeto (inviável economicamente) de Oscar Niemayer. O prédio está fechado a uns doze anos porque é uma torre de 30 andares de vidro (uma estufa que precisa ser refrigerada) com amplas fachadas no térreo de  ... mármore, uma pedra porosa que o vento marinha teima e corroer. Só em custo de refrigeração e manutenção a torre se inviabiliza comercialmente, mas fica como um belo monumento à estética pura.



Estética pura é o skyline natural do Rio. À esquerda, o Corcovado (710 m) com o Cristo no topo e na extrema direita a rocha do Pão de Açucar (395 m.).



Sob o Corcovado, o Leblon e Ipanema e, ao fundo, Copacabana.


As altas montanhas oferecem uma outra perspectiva aos prédios ...


... ou aos casebres da favela da Rocinha.



Finalmente, o navio de 112 mil toneladas, lentamente aproxima-se da entrada da baía de Guanabara. Essa é a visão que eu tinha da minha varanda no deck 6, perto da proa.


O hotel Sheraton (o prédio maior) junto à praia do Vidigal e a favela da Rocinha se esparramando pelos morros acima.


O hotel Copacabana Palace e as estruturas do reveillon sendo armadas na areia da praia de Copacabana. Há uns seis anos assisti aos fogos a bordo de um outro navio bebendo espumante, nada mal para começar o ano.


Copacabana em seu esplendor urbano. À esquerda o Sofitel (antigo Rio Palace).


A linha de montanhas ao fundo é a serra de Teresópolis e o pico mais agudo é o famoso Dedo de Deus. À frente, Copacabana, vista das rochas que a separam de Ipanema.


Conhece essa pedra? Claro que sim, ela é famosíssima, só está em um ângulo diferente.


É o Pão de Açucar, daqui é a cara do gigante que a Johnnie Walker usou em seu comercial pós-patriótico sobre o Brasil.


Na entrada da baía está o forte da Lage, escavado nessa rocha semi-submersa. É um dos três fortes na entrada da baía. Antigamente eram úteis, hoje são monumentos históricos e brinquedinhos militares.


E logo antes do porto, o aeroporto Santos Dumont, um aterro criado em 1940. Aí estão um jato da TAM decolando e outro fazendo a curva de aproximação.


E aí está o centro do Rio.O prédio cilíndrico negro é o Clube da Aeronáutica, o prédio mais alto da cidade. Logo depois o navio atraca e a autoridade portuária promete que em 2013 o cais do porto será mais confortável e eficiente. Fim dessa etapa da viagem. Nos próximos posts mostro outras coisas interessantes.