segunda-feira, 19 de abril de 2010

O vulcão e o Papa

Fotos e texto: Luiz Gonzaga Godoi Trigo (Obs. foto do vulcão de L. M.)

Há tragédias inesperadas e há tragédias anunciadas. O vulcão islandês estarreceu o mundo com sua erupção de cinzas que fechou os céus europeus para milhões de passageiros e toneladas de carga. A natureza inesperadamente mostrou como o sistema aéreo internacional é vulnerável e delicado perante as forças de Gaia, nosso planeta.

Pela força de apenas um vulcão em erupção pode-se imaginar os piores pesadelos da humanidade, como uma guerra termonuclear global ou o impacto de um grande meteorito na superfície terrestre. A poeira e a fumaça cobririam partes do planeta impedindo a luz do sol e causando transformações climáticas e atmosféricas não totalmente conhecidas, mas certamente desastrosas. Uma das lições do evento vulcânico é a necessidade de ampliar a consciência das pessoas, empresas e governos sobre nossa dependência íntima e atávica com nosso planeta, com Gaia, nosso único lugar possível (pelo menos até hoje) em um universo incognoscível e hostil à vida.

Nessa mesma semana, o Papa Bento XVI completou cinco anos de gestão à frente da Igreja Católica cercado por denúncias de acobertamento de pedofilia por parte de alguns religiosos. No Brasil, as notícias foram sobre três religiosos de Alagoas acusados por terem desviado dinheiro da Igreja e de molestar sexualmente coroinhas. Um monsenhor ("m" minúsculo mesmo), com mais de oitenta anos, mostrou em rede nacional como um ser humano pode ser mentiroso, cínico e degradado ao negar o crime e, logo depois, pedir perdão friamente como se tudo estivesse bem resolvido. Senti vergonha e constrangimento por ele. Fui nascido e criado na Igreja Católica e ainda a frequento (e continuarei a frequentar), por isso não posso me calar perante tais crimes. Essa é uma tragédia anunciada. Séculos de poder, de hipocrisia e dissimulação provocaram um dos maiores danos à cristandade em toda sua história. Em um momento em que as igrejas e as religiões como um todo são questionadas por parte da ciência e da sociedade, uma das grandes denominações religiosas do mundo expõe suas contradições e omissões nesses casos, tão tristes e simbólicos em relação à sua repressão ao sexo.

É preciso que as igrejas (não apenas a Católica) revejam seus dogmas obsoletos sobre moral e sexualidade. E preciso que a Igreja Católica, em particular, entenda que a comunicação em nossa época impede (graças a Deus e às novas tecnologias) a ocultação e manipulação de fatos e das interpretações desses fatos.

Lembro do pároco de minha juventude, Cônego Carlos Menegazzi, de Campinas (SP), um exemplo de sabedoria, paciência, prudência e outras virtudes e de muitos outros religiosos e religiosas (de vários credos) que oferecem suas vidas, obras e ações por algo em que acreditam e que tanto bem fazem às pessoas. Essas boas obras não podem ser maculadas pelo pecado ou pela doença de alguns poucos e pela omissão de autoridades eclesiais que deveriam preservar a saúde espiritual e intelectual de suas igrejas e não ocultar problemas, tão inerentes ao ser humano em qualquer instituição. O pecado maior não foi o erro em si (já bastante grave), mas o véu imoral e criminoso com que superiores tentaram abafar tais erros. Enterrados no solo fértil da culpa e da vergonha um dia explodiram, como vulcões de ressentimento e frustração, em uma tragédia anunciada e cultivada pela omissão.

É tempo dos católicos e de outros cristão e religiosos se posicionarem para reconhecer seus problemas e construir religiões mais a abertas ao mundo atual, menos hipócritas e neuróticas e mais ligadas às fontes do cristianismo que são a compreensão, o amor e a caridade.

Não se pode calar. Não se pode ignorar o espírito de nossos tempos.

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